Valéria Belmino
Bióloga e professora e agente da pastoral da liturgia na Matriz de Santo Antônio em Teresópolis.
Com o tema “Para que n´Ele nossos povos tenham vida” e o lema “Praticar a justiça, amar a misericórdia e caminhar com Deus”, o Mês da Bíblia 2016 traz como proposta de estudo o livro do profeta Miqueias.
Ao abrirmos o livro do profeta Miqueias, deparamo-nos com fortes denúncias e julgamentos severos contra as autoridades do seu tempo. A situação em que vivemos atualmente não mudou muito. Por acaso não é obrigação das autoridades conhecer o direito dos povos (Mq 3, 1-4)? Isto porque o povo era explorado pelos fazendeiros, militares e comerciantes, com a sucessiva perda de seus próprios direitos: família, casa e terra. Militares cometiam crimes de abuso de poder. O estililo rural do profeta o torna semelhante a Amós, também profeta do povo do campo, no reino do norte. Miqueias como porta-voz das pessoas oprimidas contra o grupo dirigente, chefes, governantes, sacerdotes e profetas de Jerusalém. A família e a casa são as principais vítimas: as mulheres expulsas da casa, espaço fundamental da vida, deixando as crianças sem direito à herança. É importante situar cada oráculo do profeta no seu devido contexto (inclusive no contexto atual) para que se possa escutar o grito de quem defende a família, a terra e a casa afim de produzir vida em quem luta por estes dons. O caminho dos profetas de Javé é a luta pela defesa da justiça e da vida ameaçada, o mesmo projeto de Jesus e de toda pessoa que se diz cristã; que a mesma ousadia do profeta inspire nossa opção pastoral. Ái daqueles que tramam a injustiça e planejam o mal, e ainda usam o nome de Deus para justificar os atos de quem, a princípio, tem o poder (Mq 2, 1-11). Quem são os profetas que hoje, mesmo correndo risco de morte, defendem condições de vida digna e são capazes de erguer vozes contra a realidade de morte? Deus não quer uma religião baseada em práticas legalistas, mas uma vivência que nos impulsione para o compromisso com a transformação social. Inspirados na ação do profeta Miqueias, pedimos que o Senhor da Vida desperte em nós o desejo de ser profetisas e profetas da justiça, do direito e da misericórdia (MARQUES, 2016 in Vida Pastoral nº 311).
A tragédia de Mariana deixou 663 Km do Rio Doce e seus afluentes contaminados, 1.469 hectares de terra arrasados e 80 espécies de peixes extintas, além de comprometer o abastecimento de água em muitas cidades. As pessoas sem terra, casa e família ampliada se espalham pelo mundo afora… são pessoas pobres e indesejadas pela sociedade; não podemos simplesmente nos acomodar e fechar os olhos a esta realidade. E a esperança teimosa de construir uma Casa Comum, justa e fraterna, para todos os seres vivos continua ecoando uma oração pela Vida. (EQUIPE DO CENTRO BÍBLICO VERBO, 2016 in VP).
De uma maneira geral, a vítima sucumbe diante das frustrações de quem a oprime. Ou seja, o opressor é sempre um reprimido, um doente mental que deseja passar adiante as suas frustrações porque não suporta conviver com elas, tampouco superá-las ou transcendê-las. Quase sempre os culpados parecem não ser punidos, mas a vítima sempre o é; e muitas vezes duplamente punida: por ocupar categoricamente a posição de vítima, e por ser culpada por isso. A culpa é da vítima, minha gente!! onde já se viu isso??!! Foi atropelada atravessando na faixa porque estava no lugar errado, no momento errado. Foi estuprada porque usava saias. É subjugada porque não tem dinheiro. Foi assassinado porque fez bagunça e reclamou os seus direitos. Que tal cultivarmos um pouco de sicômoros, como o profeta Amós?
A atividade de Miqueias deve ser situada no tempo do profeta Isaías e dos reis Acaz e Ezequias: por volta de 740-700 a.C. Mais rústico e pessimista que Isaías, Miqueias manifesta força expressiva quanto aos “donos da terra”. O livro trata da injustiça no âmbito rural, da intervenção de Deus contra o próprio povo (povo meu que te fiz eu? dize, em que te contristei! – Mq 6,3 – cf. liturgia de sexta-feira santa), do anúncio do Messias (Mq 5) e da caminhada com Deus (respeitar o direito, amar a fidelidade e caminhar humildemente com Deus – Mq 6,8).
Miqueias é um profeta periférico, localizado na periferia da sociedade, e como tal interessa-se pela mudança da ordem social (diferente do profeta localizado no centro da sociedade, que expressa suas mensagens para manter a ordem social estabelecida – Isaías é um profeta central). Jesus, profeta da periferia da Galiléia, desafia a ordem social estabelecida; fome, miséria e doenças eram males constantes e Jesus, homem justo e sensível à realidade, profetiza contra as autoridades de sua época. E, neste tempo de agora, o papa Francisco profetiza (NAKANOSE, 2016 in VP):
Hoje vivemos a cultura do descartável! Pensar que hoje as crianças que não têm o que comer não fazem notícia. Isso é grave. Isso é grave. Não podemos ficar tranquilos. Não podemos ser aqueles cristãos bem-educados que falam de coisas teológicas enquanto tomam chá, tranquilos: não. Devemos nos tornar cristãos corajosos e ir em busca daqueles que são a carne de Cristo (19.05.2013).
Bibliografia consultada:
BÍBLIA SAGRADA. Edições CNBB, 5ª edição
REVISTA VIDA PASTORAL (VP) nº 311. Editora Paulus