Psicólogo José Augusto fala sobre o desaparecimento dos adultos

Programa Ecclesia Igreja Católica em Foco
Entrevista do Psicólogo José Augusto Renato, Mestre em Psicologia pela UFJF, PósGraduado em Psicologia Positiva, Pós-Graduando em Logoterapia pela UCP e Membro da Associação Reconciliatio

Todos podemos comprovar cotidianamente um desaparecimento dos adultos. Vivemos um tempo em que temos a dificuldade de avançar no processo de maturidade, no amadurecimento enquanto pessoa, no assumir compromissos, responsabilidades e diversas realidades que fazem parte da nossa vida adulta. Em muitos casos a idade psicológica não corresponde à idade cronológica. Podemos dizer que nem todos os adultos são adultos, como nem todos os menores são menores.

Verônica Jordão: Iniciemos pela temática da tecnologia e do amadurecimento afetivo. De que maneira esses fatos perpassam a realidade do amadurecimento humano?

José Augusto Renato: Ótima pergunta. Sempre temos que tomar cuidado com os extremos. Certamente que, a tecnologia traz uma série de questões muito positivas. O simples fato de estarmos aqui, gravando essa entrevista, é resultado de uma tecnologia que nos permite isso. Por outro lado, a tecnologia abre espaço para as relações humanas que precisa de um olhar especial. Por exemplo, a possibilidade de ter tanto contato com tantas pessoas e, sempre acho muito interessante, que temos tantos amigos no Facebook e esquecemos que na realidade as relações de amizade são de afeto, de proximidade, de compromisso. Assim, facilmente a tecnologia pode nos levar a cair em ilusões, a acreditar por exemplo que, as nossas relações íntimas são verdadeiramente profundas enquanto estão na superficialidade da página do Facebook. Outro ponto: Lia recentemente uma reportagem que trazia o tema ‘Fazenda de likes’. O que é isso? Locais em que vários celulares ficam postos curtindo postagens e foto de pessoas uma vez que “mais curtidas eu tenho, mais importante eu sou”. E como que isso faz a pessoa buscar afeto e importância de uma maneira tão efêmera. Uma curtida significa, de fato, que me valor está sendo reconhecido? Não necessariamente. Logo, esse amadurecimento afetivo dentro do âmbito da tecnologia muitas vezes pode aparecer como uma ilusão e isso é delicado. Hoje, vivemos um tempo em que temos acesso a muito conhecimento e as pessoas podem se informar de muitas maneiras, mas um dos aspectos mais importantes, que é a inteligência emocional, foi deixado à margem. Temos grandes pessoas, que ostentam posição de influência, imaturas e que não sabem lidar bem com as emoções. E não lidar bem com as emoções insere o indivíduo em uma outra área que é a falta de amadurecimento ético (lidar e se relacionar com os valores).

Verônica Jordão: As relações interpessoais estão atravessadas por esses meios tecnológicos. Não há um mal em si, mas que se mal utilizados trazem um forte prejuízo na relação interpessoal. Em relação a esse prejuízo há dois paralelos, fantasia e ilusão. Conceitos distintos. Como esclarecê-los?

José Augusto Renato: Eu gosto de pensar que a fantasia em si tem até uma função pedagógica pois, para lidar com a realidade, muitas vezes nós lançamos mão da fantasia. Existem grandes escritores do século XX que fizeram muito bem isso. Um exemplo é John Ronald Reuel Tolkien, escritor do Senhor dos Anéis, que por meio de uma fantasia tocou temas tão humanos e tão importantes: valores, amizades, missão, sacrifício. Esse tipo de fantasia nos ajuda a lidar com aspectos da realidade e nos aproximarmos dela. E lidar com a realidade é um ponto muito importante no processo de amadurecimento. Já a ilusão não, é o contrário. Ela pode nos prender no mundo que nos seja fácil, que nos traga satisfação. O mundo das redes sociais muitas vezes nos permite isso, já que, eu curto e vejo aquilo que me interessa, eu apresento aquilo que os outros podem gostar e aí não sou autêntico. Essa falta de autenticidade é característica da pessoa que ainda não amadureceu, que ainda está no processo de amadurecimento. Então, toda ilusão vai nos fechar ou tem uma grande possibilidade de nos fechar em nós mesmos. Enquanto que com a fantasia é o contrário, ela pode até nos abrir para compreender um outro mundo real e lidar com o real é muito importante. Eu falo muito que o homem de hoje pode viver no seu ‘mundinho’ e esquecer de um mundo muito amplo que ocorre coisas muito negativas, as vezes: frio, fome, guerra, crimes. E a ilusão nos afasta disso e a não querer lidar com essa realidade, que não é pensar somente nas coisas negativas mas lidar com a realidade ruim e boa, com as pessoas que fazem coisas boas, com os acontecimentos que mostram que ainda devemos manter a esperança e trabalhar por um mundo melhor. Mas enquanto eu estiver na ilusão não vou ver isso e sim aquilo que me satisfaz e não aquilo que é o real.

Verônica Jordão: Através da ajuda da literatura, encontramos o personagem Peter Pan. Figura que não queria crescer e que permanecia sempre criança. É a chamada síndrome de Peter Pan. Interessante, que não é um termo cientificamente diagnosticado mas é um termo utilizado também para esse desejo de manter-se criança. Poderíamos falar um pouco dessa síndrome, não científica, porém, muito real?

José Augusto Renato: Com certeza. Nós somos a geração de pais que joga videogame. Interessante que lidando com as relações familiares e conjugais escutamos que, uma das partes, geralmente as mulheres, reclamando que o esposo não é participativo no lar porque estava jogando videogame. Assim o pior inimigo da mulher é o Xbox. Mas existe de certa maneira uma amplificação de uma faixa do desenvolvimento humano que se chama adolescência. Se pensássemos à cento e cinquenta anos atrás esse termo – adolescência – era uma coisa um tanto obscura. Para alguns essa fase nem existia enquanto um período bem definido pois havia a passagem da infância para a vida adulta. Criamos essa etapa do desenvolvimento humano que é muito importante, porque de fato o adolescente tem necessidades e aspectos distintos dos adultos, mas hoje parece que a adolescência só cresce. Legalmente, sabemos que a adolescência vai dos 12 ao 18 anos, no entanto, psicologicamente falando, há crianças que estão se tornando adolescentes muito rapidamente tanto por questões biológicas ou psicológicas (acesso à informações que não deveriam ter no momento). Ao mesmo tempo algumas iniciam a adolescência mais cedo e outras terminam a adolescência mais tarde. Essa faixa que entra na chamada síndrome do Peter Pan, personagem que quer manter a infância e por isso não quer crescer, entrando assim na terra da nunca onde permanecerá eternamente jovem. Existem coisas boas na juventude? Sim, é claro, mas o quando o jovem não cresce começa a renunciar as coisas boas da vida adulta e ele não vai viver como jovem as coisas quando já deveria ser um adulto. Essa faixa que vai aumentando cada vez mais leva a muitas dificuldade se pensarmos dentro do sistema familiar. Um filho que permanece com os pais, ainda numa relação que se parece muito na relação de adolescente com seus pais mas ele já possui 30, 40, 50 anos. Não é que todo caso seja ruim. Cada caso é um caso. Mas verifica-se que começa alguns choques porque esse filho que já possui 40 anos e que nesse sistema familiar parece não ter amadurecido e permanece jovem é tratado pelos pais de uma maneira que gera conflito. Por exemplo, a um adolescente o pai pode delimitar o horário para chegar em casa, mas como fazer isso com uma pessoa com 30 anos? É muito mais difícil. Existem coisas sociais que também levam a isso: a pessoa após terminar o ensino médio ingressa na faculdade, logo após a pós graduação, depois o mestrado. Dentro dessa concepção social de que “eu tenho que ser altamente especializado para entrar no mercado de trabalho” cria-se também um problema porque esses filhos ficam primeiro dentro de um ideal de construção de vida e por outro lado tendo que lidar com realidades diferentes dentro do núcleo familiar – os pais envelhecendo, o filho não é mais jovem – e isso gera questões que desembocam em conflitos familiares. É claro que, isso são pontos de vistas. Outra coisa que me preocupa bastante é o fato das crianças terem cada vez mais acesso a pornografia. Isso é um problema muito sério porque é uma fase onde começam ter acesso a conteúdo que exigem maturidade. Isso atrapalha o processo da adolescência, o relacionamento interpessoal já que o outro passa a ser visto como um objeto de seu próprio prazer atrapalhando a maturidade afetiva na vida adulta também.

Verônica Jordão: Quando podemos definir que determinada pessoa é adulta? Que características definem uma pessoa adulta?

José Augusto Renato: Eu considero o ser humano como ser bio-psico, social e espiritual. Para falar o que é um adulto precisamos levar em conta essas dimensões. Por exemplo, posso dizer que uma pessoa é adulta em que seu desenvolvimento físico já alcançou determinados critérios dentro daquilo que a medicina, biologia compreende; posso dizer que socialmente um adulto quando ele completa 18 anos e é civilmente responsável por todos os atos dele; pensando em termos psicológicos gosto de pensar o adulto como uma pessoa que é capaz de lidar com a sua realidade de maneira a reconhecer como um ser livre porém responsável ou seja, um adulto é capaz de entender que seus atos livres veem acompanhados de uma responsabilidade algo que ele se torna capaz de alguma maneira a dar conta. Um dos pontos importante nesse processo é que ele seja capaz de lidar com o real em seus vários níveis, desde os mais superficiais até os mais profundos. O adulto também, vai estar no processo de compreender as suas emoções, de ser capaz de pouco a pouco exercer o próprio auto controle sobre suas emoções, não negando-as, mas compreendendo-as. Interessante que o processo de se tornar adulto é de autoconhecimento e de auto consciência que é algo contínuo, para além dos anos. Infelizmente, algo que hoje é deixado de lado na formação escolar. Esta é sobretudo técnica, que tem o seu valor, mas precisamos de sobremaneira de uma formação humana de tal modo que leve a compreender como ser único, como ser particular. Um outro bom critério é aquele que o adulto é capaz nas suas relações de cada vez mais não utilizar o outro somente como meio para seus fins mas identificar que o outro é um fim em si, respeitar essa dignidade e particularidade do outro. Qual a pedra mais valiosa no mundo? O diamante. E por que é uma das pedras mais caras? Cada diamante é raro, tem um desenho específico, de tal forma cada pessoa tem o seu valor, não existe pessoa igual a outra. O processo de se tornar adulto é reconhecer justamente isso: que o outro é único, particular, irrepetível e que por isso mesmo diante de tal grandeza eu preciso ser reverente e que a melhor atitude diante dessa grandeza é amar. O adulto pleno será aquele que vai ser capaz de amar.

Verônica Jordão: Como o referencial familiar contribuir para o crescimento do indivíduo como pessoa?

José Augusto Renato: De muitas maneiras. Hoje, cada vez mais, vemos a psicologia se debruçando sobre o desenvolvimento da criança desde sua concepção e de como é importante o núcleo familiar que rodeia essa criança. Fala-se até da importância dos 1.000 primeiros dias para o desenvolvimento afetivo, biológico. O afeto por sua vez é demasiadamente importante para o desenvolvimento neurológico das crianças. Não há estrutura melhor para o afeto do que a estrutura familiar compartilhando o cuidado daquele ser tão pequeno, tão indefeso. Minha filha, Maria, tem um ano e cinco meses. Como contribuir para o crescimento dela? Nada mais importante que a presença, o afeto. E voltando para a tecnologia, vivemos num momento onde uma boa parte do nosso tempo é conectado com o celular, centenas e centenas de pessoas no Whatsap e muitas vezes não estamos conectados com a pessoa do nosso lado que pode ser nosso filho e que precisa dessa conexão. Nosso tempo já é divido com o trabalho, estudo, mas essa pessoa em desenvolvimento precisa de dedicação, atenção, de ser olhada até para compreendê-la. Essa experiência é muito importante! Ao longo do desenvolvimento temos que aumentar essa capacidade de conexão com o outro, de compreensão alheia, de aprender com o outro. Estar fechado demais em si mesmo impede com que eu perceba, de fato, como o outro é. Nesse processo de tornar-se adulto devo ser capaz de, cada vez mais, captar o outro, de dar afeto, carinho, atenção. Hoje se fala que nossa capacidade de atenção é reduzida a 30 segundos. Há uma grande quantidade de estímulos e como nossa capacidade de atenção é reduzida, mais difícil é de dar atenção a tudo que me é imposto, dessa forma, vou perdendo essa capacidade e para relacionar-se com o outro, eu preciso estar atento. Para eu ajudar o meu filho (a) a amadurecer eu preciso estar atento, não preciso, contudo, ser aquele pai que vai poder oferecer a melhor escola, o melhores cursos, mas ser capaz de compreender aquele ser e relacionar plenamente com ele é demasiadamente importante.

Verônica Jordão: Diante do nosso cenário, será qual o motivo de tantos adultos infantilizados?

José Augusto Renato: Como tratamos anteriormente das dimensões bio-psico, social e espiritual também podemos dizer que há vários adultos infantilizados por conta dessas dimensões. Pensando numa perspectiva mais psicológica, a professora Marina Silva (Colégio Viktor Frankl – CFV – São Paulo), falando do processo educacional diz que “precisamos educar por amor, para o amor e para o sofrimento”. Tornar-se adulto não é um processo fácil, recheado de satisfação, pelo contrário, muitas vezes vai ser um processo marcado pelo sofrer, por uma renúncia. Quando eu era pequeno tinha muitas dores nas pernas e minha dizia que era por conta da fase de crescimento uma vez que “para crescer, dói”. Parece que, um dos aspectos, sofrer é uma doença. É claro que, se eu falar para um pai que ele precisa ensinar o seu filho a sofrer, não vou ser tão compreendido. Mas o sofrimento não é fazer mal, pode ser colocar o limite. O dizer não, não dar tudo, mostrar que aquilo que ele tem é fruto de um sacrifício, ou seja, para me tornar adulto preciso aprender a renunciar e preciso aprender a assumir o sacrifício das minhas escolhas e os sofrimentos ocasionados pelas mesmas. Uma pessoa que tem um filho, por exemplo, assume a escolha, de passar noites em claro. E ninguém gosta de passar noites em claro. É um sofrimento? Sim, mas é nesse sofrimento que se descobre uma outra dimensão, uma outra capacidade que temos: quando enfrentamos o sofrimento que nos é imposto, não buscando-o, mas que surge pelas exigências da vida, nós crescemos. E tornar-se adulto vai passar por assumir o sofrimento e por enfrenta-lo de cabeça erguida, buscando ajuda, é claro, com amigos, familiares, profissionais mas entendendo que faz parte. Temos tanto modelos na nossa história pessoal ou na história do mundo que mostram que as grandes realizações passaram por sofrimentos. A nossa sociedade precisa entender que não se pode recuar diante do sofrimento, ao contrário, devemos almejar o valor ou o bem que está além dele. E se existe um valor ou bem para além do sofrimento, deve assumi-lo.

Por: Alexandre Nunes, consagrado da CMDJ.
Monique Mendes Barcelos, vocacionada da CMDJ.

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