O Livro VIII de De Trinitate: uma Ponte entre a Fé Revelada e a Contemplação Filosófica

Pe. Anderson Alves

O Livro VIII de De Trinitate representa um ponto de inflexão na obra de Santo Agostinho: ele não apenas retoma as questões fundamentais acerca da Trindade, mas começa a orientar o olhar do leitor para uma introspecção mais profunda, preparando o caminho para a analogia da alma humana com Deus, que será desenvolvida nos livros seguintes.

Esse livro é, antes de tudo, uma meditação mística, ainda que profundamente racional. A linguagem de Agostinho assume aqui um tom orante e contemplativo, especialmente quando reconhece que, diante do mistério divino, o esforço humano é limitado. Ele escreve com humildade intelectual, pedindo a Deus que ilumine sua mente para que possa falar “com verdade do que não conhece plenamente”. Essa postura revela o coração da teologia agostiniana: o reconhecimento da distância entre Deus e o homem, mas também a confiança na possibilidade da aproximação pelo amor e pela fé.

Um dos trechos centrais da reflexão de Agostinho aparece quando ele afirma que em Deus ser, verdade e medida são uma só realidade. Isso significa que, ao contrário das criaturas — nas quais o que é verdadeiro e o que é grande podem divergir —, em Deus essas qualidades são inseparáveis. Ele escreve: “Cada pessoa é a Verdade e cada pessoa é a grandeza”. Essa identificação não é apenas conceitual; ela carrega uma carga existencial: encontrar a Verdade e a medida das coisas é, ao fim, encontrar a Deus.

Agostinho também dedica especial atenção à crítica do pensamento corpóreo como forma de conhecer a Deus. No capítulo 2, ele insiste que Deus não tem corpo nem sofre mudanças, e que para compreendê-lo é preciso abandonar as categorias sensíveis e se voltar ao que é imaterial. Aqui começa a transição para uma teologia mais interior, voltada ao espírito e à alma humana como imagem de Deus.

No capítulo 3, sua ênfase recai sobre Deus como sumo Bem (summum bonum). Todas as coisas criadas são boas por participação, mas Deus é a própria bondade. Ele é o critério que julga, o modelo que inspira e a fonte que fecunda toda bondade existente. Agostinho deixa claro: para que a alma se torne boa, deve converter-se à fonte da bondade, ou seja, ao próprio Deus. Aqui emerge uma das grandes intuições de sua antropologia: a alma humana não é apenas capaz de Deus (capax Dei), ela foi feita para retornar a Ele.

Essa insistência na conversão interior da alma é um prelúdio direto à próxima fase da obra, na qual Agostinho procurará os vestígios da Trindade no ser humano. Para isso, era necessário esse momento de transição teológica e espiritual, em que a meditação sobre os atributos divinos — verdade, grandeza, bondade — se conecta ao modo como o homem os experimenta e os reflete.

Não por acaso, o Livro VIII reforça a metodologia que norteia toda a obra: Credo ut intelligam, intelligo ut credam. O conhecimento de Deus não é um fim em si, mas uma forma de alimentar a fé. Quando a razão alcança seu limite, a fé se fortalece. E quando a fé amadurece, ela se abre para uma inteligência mais profunda, alimentada não apenas pela lógica, mas pela caridade.

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