Papa Francisco, na sua Mensagem para o Dia mundial da Paz, de 2024, fala da inteligência artificial como ferramenta capaz de “aprendizagem automática” (machine learning) ou de “aprendizagem profunda” (deep learning). Diz que essa possibilidade provoca questões que superam os âmbitos da tecnologia e da engenharia, e dizem respeito à compreensão de pessoa humana, de significado da vida humana, do seu conhecimento e da capacidade da mente humana alcançar a verdade. De fato, há programas de IA atualmente que produzem textos sintática e semanticamente coerentes, a partir da base de dados que possuem. Entretanto, isso não é garantia da fiabilidade do que afirmam. Eles dependem da sua base de dados, podendo conter dados falsos e orientações éticas equivocadas.
A Mensagem diz que esses programas podem “alucinar”, no sentido próprio, ou seja, podem gerar afirmações aparentemente plausíveis (sintaticamente perfeitas), mas que não são fundadas na realidade, ou são preconceituosas. Assim, a inteligência artificial pode ser usada em campanhas sistemáticas de notícias falsas, gerando desconfiança nos meios de comunicação. Pode ainda disseminar preconceitos, interferir nos processos eleitorais, gerar uma sociedade, ou empresas, que vigiam e controlam a vida e o modo de pensar das pessoas. Isso pode trazer mais individualismo e fragmentação social. Além disso, a confidencialidade das pessoas, a posse dos dados e a propriedade intelectual são âmbitos em que essas tecnologias comportam graves riscos.
Por outro lado, em conversa com um amigo que reflete sobre essas realidades, chegamos à seguinte conclusão: a IA pode ser útil, inclusive para a teologia. Pensamos na seguinte possibilidade: um programa de inteligência artificial alimentado pelas obras dos Padres da Igreja, por exemplo, a coleção da Patrística editada por Migne latina, com mais de 1.000 obras em 217 volumes, e grega, com 166 volumes (Na Biblioteca do ITF, em Petrópolis, estão todas essas obras). Poderíamos dar um comando para que o programa elabore textos e artigos sobre temas relacionados, por exemplo, “eucaristia” e “vida cristã”. Textos e artigos podem ser rapidamente feitos, que relacionem dados que talvez nunca tenham sido relacionados antes. A IA pode perceber relações de palavras que até agora não foram vistos pelos teólogos. Podem colaborar assim para fazer, por exemplo, uma leitura patrística do Novo Testamento, destacando textos e autores que até agora não foram notados pelos teólogos. Isso pode ser maravilhoso, para quem depois dedicar muitas horas para ler e refletir sobre essas descobertas.
Entretanto, podemos perguntar, isso seria a máquina “pensando” ou substituindo o teólogo? A teologia não é mera relação de textos e de conceitos, mas um pensar sistemático e rigoroso sobre a fé cristã, que não pode ocorrer sem a fé pessoal do teólogo e a esperança da vida eterna. Segundo Santo Tomás, a teologia é um desenvolvimento da fé, que tem como meta a contemplação de Deus na eternidade, cujo motor é a esperança. A teologia é o desenvolvimento da vida teologal do cristão. A relação de textos e de palavras fundamentais da fé, entretanto, constitui o trabalho inicial da teologia. É o que classicamente se chama “teologia positiva”, ou seja, uma investigação sobre os dados que já foram postos e são indiscutíveis.
A ciência teológica, porém, só é completa com a “teologia especulativa”, que visa à contemplação de Deus. A teologia positiva é feita a partir de horas, meses e anos de estudo nas bibliotecas especializadas. Com a ajuda inteligência artificial, descobertas valiosas podem ser feitas em minutos. Nesse sentido, a IA pode colaborar com a teologia. Mas, no seu sentido próprio e mais essencial, ela nunca poderá fazer o que só a mente humana é capaz.