Caridade na Verdade: a Encíclica Social de Bento XVI – Pe. Anderson Alves

Em 29/06/2009 foi publicada a encíclica Caritas in veritate, do papa Bento XVI. A intenção original era que a sua publicação fosse em 2007, ano de comemoração dos 40 anos da encíclica Populorum progressio, de Paulo VI (1967), que tratava do desenvolvimento dos povos. Porém, houve um atraso, devido à complexidade do texto e à crise econômica que surgiu no verão de 2008. O documento era aguardado pois em em 40 anos muito foi transformado: por um lado, aumentou a presença da Igreja e o seu trabalho assistencial em todo o mundo; por outro lado, surgiram as “teologias da libertação”, que optaram pela revolução em lugar do legítimo desenvolvimento dos povos, como propunha Paulo VI. As teorias teológicas libertárias procuraram orientar a missão da Igreja num único sentido: o revolucionário.

Como temos dito, Caritas in veritate está intimamente unida à Encíclica Deus caritas est, de Bento XVI. A primeira encíclica do papa tinha duas partes distintas. Na primeira, tratava o amor cristão e a sua relação com os amores humanos; na segunda, abordava o trabalho assistencial da Igreja e a sua relação com a evangelização, destacando o espírito cristão que deve animá-la.

Caritas in veritate trata do tema do desenvolvimento dos povos, assim como Populorum progressio. Como bem diz Lorda (Claves teológicas para una lectura de Caritas in veritate, “Scripta theologica”, 02/2010), a Igreja tem uma chave para compreender esse tema, que é o conhecimento do fim sobrenatural do homem, e do princípio que deve estruturar toda a atividade humana no mundo: a caridade. O documento diz que “a doutrina social da Igreja (…) é ‘caritas in veritate in re sociali’, anuncio da verdade do amor de Cristo na sociedade” (5).

A estrutura de Caritas in veritate é a seguinte: na introdução apresenta o papel da caridade no progresso dos povos e a sua relação com a verdade. É a parte mais teológica do documento e ilumina as demais partes do texto. O primeiro capítulo trata de Populorum progressio, destacando a unidade daquela encíclica com o Concílio Vaticano II e o corpo da Doutrina social da Igreja. Fala da intenção de Populorum progressio e elucida o conceito de progresso. Diz que sem a ideia integral e transcendente de homem, proporcionada pela fé, faltaria o critério para discernir o verdadeiro progresso.

O seguinte capítulo expõe as múltiplas mudanças na cultura mundial, ocorridas desde Paulo VI, que originam una situação nova e exigem uma nova análise. O capítulo 3 trata da caridade no mundo econômico. Refere-se ao tema da fraternidade humana e do pecado original (34), elabora um juízo sobre a economia de mercado e faz uma comparação entre a lógica econômica do lucro e a lógica cristã da caridade. Ambas não se excluem, mas se complementam, de acordo com a estrutura da pessoa humana e das suas necessidades (32, 45-46). Estabelece também uma análise da relação entre justiça comutativa e distributiva (35-36).

O quarto capítulo busca corrigir a tendência moderna de reivindicar apenas os próprios direitos, ocultando a temática dos deveres. Na realidade é necessário assumir os deveres nas diversas questões atuais: nas questões demográficas, na atividade dos agentes econômicos (empresas, bancos e organismos); na atividade empresarial, que pode ter una orientação ética e humanizadora, reforçando a lógica econômica. Há ainda uma ampla consideração nesse capítulo dos deveres para com o meio ambiente, precedendo assim Laudato sì, do papa Francisco. A conclusão desse quarto capítulo trata a função da verdade e do amor na vocação humana (52);

O capítulo quinto de Caritas in veritate trata a “colaboração da família humana”. Faz uma apresentação teológica do significado e do valor da relação humana (54-55). Trata os princípios da subsidiariedade e solidariedade em âmbito supranacional (58). Recorda que a cooperação não pode ser apenas econômica. A recente crise econômica e moral exige mais do que isso. Isso vale também para o sistema financeiro (65). O texto fala de alguns fenômenos de massa da atualidade, como o turismo e as migrações (61-62). Alude ao papel de outras organizações sociais, como os sindicatos e as associações de consumidores (64 e 66). E reivindica uma “autoridade política mundial”, com a devida força para “fazer respeitar as próprias decisões” e estabelecer “um grau superior de ordenamento internacional de tipo subsidiário” para alcançar “uma ordem social conforme a ordem moral” (67).

O sexto capítulo estabelece um juízo sobre a técnica e a sua relação com o progresso humano. Fala do papel providencial da técnica humana e alerta que as graves questões atuais não podem ser resolvidas com um tratamento puramente “técnico”. A vida econômica, política, a atividade dos meios de comunicação, os problemas bioéticos não podem ser regulados apenas por técnicas. E afirma: “o absolutismo da técnica tende a produzir uma incapacidade de perceber tudo aquilo que não se explica com a pura matéria” (77). Um puro tratamento técnico das questões humanas é insuficiente e frequentemente desumano.

Bento XVI afirma que a DSI não pretende ser uma alternativa às posturas políticas e econômicas que existem em relação com o progresso. Se assim fosse, deveria indicar escolhas em temas que são por sua natureza opináveis e dependentes do conhecimento experimental. O âmbito da DSI é o dos princípios. Ela possui uma “dimensão sapiencial” (31).

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