A visão de homem implicada no sentido autêntico de bem comum – Padre Anderson Alves

A Doutrina Social da Igreja moderna foi elaborada em contraste com duas filosofias políticas modernas: o chamado Liberalismo e o marxismo. O primeiro afirma a liberdade do homem e nega a sua sociabilidade natural. O segundo é um pensamento de tipo coletivista, pois entende o homem como uma peça dentro do sistema, da engrenagem social. Afirma assim o coletivo, ao preço de negar a liberdade e a dignidade de cada pessoa.

A noção personalista de bem comum implica certa visão de homem, como ser único, livre e que se realiza em sociedade. Segundo Aristóteles, o homem é um animal racional e político por natureza. O homem é uma união substancial e simultânea de corpo e alma. Por isso o homem (e o corpo) tem um valor e uma dignidade únicos. Santo Tomás de Aquino, que assumiu a antropologia aristotélica, afirmou que alma humana é uma espécie de “horizonte” e uma linha de fronteira (horizon et confinum) entre o universo corporal e o mundo imaterial. Ela é, ao mesmo tempo, uma substância incorporal simples e forma de um corpo. De modo que “mais a forma triunfa da matéria, mais forte é a unidade do composto” (Suma Contra Gentios II, 68).

Segundo a antropologia católica medieval, o homem é um “microcosmo”, pois realiza em si o universo criado “em miniatura”, contendo uma síntese de mundo material (corpo) e mundo espiritual (alma). A alma humana é o sujeito de todas as atividades humanas: as biológicas, as sensoriais e as espirituais. Aqui aparece a originalidade de Santo Tomás: para os platônicos, o homem é uma alma intelectual. A alma se serve do corpo, ao qual dá movimento, mas não a vida. É uma inquilina provisória. A alma estaria no corpo como o piloto no navio. O platonismo dualista afirma então a união de alma e corpo de modo acidental, sendo a alma superior e anterior ao corpo. Para Aristóteles, porém, a alma é a forma do corpo – e não apenas o seu motor – e dá ao corpo a sua vida. Alma e corpo são um só ser perfeitamente uno, de modo que a alma não é a totalidade do homem. Assim, podemos dizer que a antropologia aristotélica é essencial à teologia católica.

Foi bem-visto que a parte moral da Suma Teológica de Santo Tomás (a segunda parte) começa com o tratado da bem-aventurança e continua com o tratado das paixões da alma (J.-P. Torrell, Santo Tomás de Aquino, Mestre espiritual, p. 311-312). Isso mostra como Santo Tomás considera o homem todo, e como ambos os princípios que o compõem – corpo e alma – são bons e constitutivos da perfeição e da bem-aventurança humana. Aos que afirmavam a pré-existência da alma em relação ao corpo e a sua relativa superioridade a ele (platonismo), Santo Tomás afirma: “a alma não é todo o homem; minha alma não é eu” (In 1 ad Corinthios, 15, 19, lect. 2, n. 924). O “eu” humano implica, pois, a unidade substancial de corpo e alma.

Assim, a parte moral da Suma trata as faculdades próprias do ser humano (inteligência e vontade) e as comuns com os animais, pois o homem tem um corpo que deve ser integrado às atividades do espírito. Do mesmo modo que a percepção sensível gera o conhecimento sensível, o apetite sensível se relaciona com o bem material e gera reações subjetivas emotivas (afetivas). De forma semelhante, a vontade se relaciona com o bem universal, conhecido pelo intelecto.

Na afetividade sensível há, pois, reações a bens e males particulares: são as paixões. Isso significa que o sujeito não é senhor delas, mas as sofre. “Paixão”, efetivamente, procede de passio, que significa “sofrer”. As paixões seriam os movimentos da sensibilidade, que começam com a impressão sensível e ocorrem em todo movimento afetivo, sentimento ou emoção. Elas pertencem à natureza humana, são “paixões da alma”, e não somente da sensibilidade. Não são consideradas por Santo Tomás a doença da alma (como era para os estoicos, especialmente Cícero). As paixões, segundo Santo Tomás, não são boas ou más, mas podemos usá-las bem ou de modo equivocado. São maus os distúrbios ou doenças da sensibilidade, mas não os simples movimentos do apetite sensível, que devem ser regulados pela razão (S. Th., I-II, q. 24, a. 3).

Segundo essa concepção, o apetite sensível deve ser governado pela ordem da razão (ordo rationis). Como consequência, a perfeição do bem moral humano consiste no fato de as paixões serem geridas pela razão, e não suprimidas ou reprimidas. A perfeição do homem leva a que ele seja movido pela vontade intelectual e pelo seu apetite sensível do bem, ou seja, a realização humana engloba as potências do seu corpo e da sua alma.

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