Nos últimos anos, houve um aumento significativo nas iniciativas para estabelecer princípios éticos na inteligência artificial (IA). Em 2020, mais de 160 princípios foram propostos, de acordo com o “AI Ethics Guidelines Global Inventory”. Essa proliferação destaca a necessidade de comparar e avaliar esses princípios.
Luciano Floridi, em sua obra sobre a ética da IA (2022), esclarece que o debate ético começou nos anos 1960 com Wiener e Samuel. Floridi compara seis iniciativas recentes que buscam estabelecer princípios éticos para a IA:
- Os Princípios de Asilomar para a IA (Future of Life Institute, 2017);
- “Declaração de Montreal para a IA responsável” (Universidade de Montreal, 2017);
- IEEE, 2017 (“Ethically Aligned Design: A Vision for Prioritizing Human Well-being with Autonomous and Intelligent Systems”);
- “Declaração sobre inteligência artificial, robótica e sistemas autônomos” (EGE, 2018), publicada pelo grupo europeu de ética da ciência e das novas tecnologias da Comissão europeia;
- “Cinco princípios gerais para um código de IA” (House of Lords, Reino Unido, 2017);
- “Princípios de parceria sobre IA” (Partnership on AI, 2018).
Esses documentos foram escolhidos com base em quatro critérios: a) serem recentes; b) serem diretamente relevantes para a IA e seu impacto na sociedade; c) terem elevada reputação; e d) serem influentes.
Os documentos, analisados separadamente, resultaram em 47 princípios éticos da ética digital. Apesar das diferenças linguísticas, houve uma coerência e sobreposição significativa entre os grupos de princípios. Essa convergência pode ser comparada com os quatro princípios comumente usados na bioética: beneficência, não maleficência, autonomia e justiça (Beauchamp, Childress, Principles of Biomedicals Ethics, Oxford University Press, New York, 2013). A bioética, segundo Floridi (The Ethics of Information. Oxford University Press, Oxford, 2013), é a ética aplicada mais semelhante à ética digital.
Floridi argumenta que os quatro princípios da bioética não são suficientes para a ética digital e propõe a inclusão de um quinto princípio: explicabilidade. Este princípio tem dois aspectos: inteligibilidade epistemológica, respondendo à pergunta “como funciona isso?”, e responsabilidade ética (accountability), respondendo à pergunta “quem é responsável pelo modo que funciona?”.
Desse modo, os 47 princípios encontrados nos seis documentos podem ser reduzidos a cinco princípios éticos: beneficência, não maleficência, autonomia, justiça e explicabilidade. Esses princípios constituem um quadro ético robusto para a formulação de políticas, melhores práticas e recomendações na IA. A convergência de princípios éticos entre diferentes países e culturas confirma a universalidade da ética, tanto como experiência humana e social quanto em sua formalidade.