Dissemos anteriormente (artigo de 12/12) que no mundo antigo, e em boa parte da cultura contemporânea, há uma exaltação do eros, das emoções, paixões e sentimentos. Alguns filósofos atuais, como A. MacIntyre, chamou isso de “emocionalismo”, que marca a forma de pensar da atualidade e de boa parte da ética contemporânea. Por outro lado, Nietzsche foi um pensador que exaltou o eros, o “emocionalismo” e acusou o cristianismo de ter dado “veneno” ao eros. Bento XVI respondeu afirmando que o cristianismo não exalta nem menospreza o eros, mas o integra ao amor ágape e ao amor de amizade (philia). Isso significa que “o homem não pode viver exclusivamente no amor oblativo, descendente. Não pode limitar-se sempre a dar, deve também receber. Quem quer dar amor, deve ele mesmo recebê-lo em dom” (Deus caritas est, n. 7).
O eros é um amor bom e necessário à vida humana, pois faz o homem sair de si, movendo-se em direção à pessoa amada. Se a inteligência traz a realidade à nossa alma, pela vontade, que é a nossa faculdade de amar, saímos de nós mesmos e nos dirigimos ao outro. A vontade é uma tendência à união; é uma faculdade sintética, enquanto a inteligência é uma faculdade mais analítica. O eros é a nossa primeira forma de amar. É ambicioso, ascendente e traz uma promessa de felicidade e de eternidade. Entretanto, para ser realmente humano, precisa ser formado, educado. À medida que a pessoa, movida inicialmente pelo eros, se aproxima do outro, cada vez mais se esquece de si, deixa de fazer perguntas sobre si próprio e procura a felicidade da pessoa amada. O desejo inicial de posse amadurece e se tornar um desejo de existir para o outro, para a felicidade da pessoa amada. Se não chega a se tornar ágape, o amor se destrói como amor, inclusive como eros.
Essa transformação do amor indica o amadurecimento, a passagem da desordenada vida afetiva, própria da adolescência, à vida afetiva ordenada. O eros ordenado pela razão converte-se num amor racional, voluntário, que implica o desejo firme e constante de buscar o bem e a felicidade da pessoa amada. O eros torna-se assim ágape, disponibilidade para a entrega e o sacrifício. Isso é o desejável, é a meta da personalidade adulta.
“Por outro lado, o homem também não pode viver exclusivamente no amor oblativo, descendente. Não pode limitar-se sempre a dar, deve também receber. Quem quer dar amor, deve ele mesmo recebê-lo em dom” (n. 7). E assim o cristão é consciente de ser sempre amado por Deus e por muitas outras pessoas, especialmente os seus pais e amigos, e essa é a força que lhe possibilita amar.
Segundo Bento XVI, Os Padres da Igreja viram simbolizada, na narração da escada de Jacó, a conexão entre subida e descida, entre o eros que procura Deus e a ágape que transmite o dom recebido. Aquele texto bíblico diz que o patriarca Jacó viu num sonho uma escada que chegava até ao céu, pela qual subiam e desciam os anjos de Deus (Gn 28, 12; Jo 1, 51). O Papa Gregório Magno, na Regra pastoral, diz que o bom pastor deve estar radicado na oração, na contemplação, na consciência do amor de Deus. Só assim lhe será possível acolher no seu íntimo as necessidades das suas ovelhas: “pelas entranhas da piedade, que ele transfira para si a fraqueza dos outros” (“per pietatis viscera in se infirmitatem cæterorum transferat”). São Gregório mencionava São Paulo, que foi arrebatado às alturas, até aos maiores mistérios de Deus, e quando descia, era capaz de fazer-se tudo para todos (2 Cor 12, 2-4). O bom pastor está perto de Deus e por isso leva nas suas vísceras as enfermidades das suas ovelhas.
Encontramos, assim respostas às questões antes expostas: a) o “amor” é uma realidade única, com distintas dimensões; às vezes, uma dimensão pode sobressair sobre a outra; b) quando as duas dimensões se separam completamente uma da outra, surge uma caricatura, uma forma redutiva do amor; c) a fé bíblica não constrói um mundo paralelo ou contraposto ao fenômeno originário do amor, mas aceita o homem por inteiro, purificando a busca humana do amor, desvendando-lhe novas dimensões (Deus caritas est, n. 8).
Em Caritas in veritate, Bento XVI disse: “A caridade [síntese de ágape e eros] é a via mestra da doutrina social da Igreja”. De fato, as responsabilidades e compromissos delineados pela Doutrina social derivam da caridade, que é a síntese de toda a Lei (Mt 22, 36-40). A caridade dá substância à relação pessoal com Deus e com o próximo. Ela é “o princípio não só das microrelações estabelecidas entre amigos, na família, no pequeno grupo, mas também das macrorelações como relacionamentos sociais, econômicos, políticos” (n. 2).