Finados: Aprender com a Morte! – Dom José Maria Pereira

A comemoração de Todos os Fiéis Defuntos coloca toda a Igreja diante do mistério da morte. É um dia dominado pela saudade afetuosa das pessoas falecidas que nós amávamos quando vivas. No dia 02 de novembro, a Igreja convida-nos, com maior insistência, a rezar e a oferecer sufrágios pelos fiéis defuntos do Purgatório. Com esses nossos irmãos, que “ também, participaram da fragilidade própria de todo o ser humano, sentimos o dever- que é, ao mesmo tempo, uma necessidade do coração – de oferecer-lhes a ajuda afetuosa da nossa oração, a fim de que qualquer eventual resíduo de debilidade humana, que ainda possa adiar o seu encontro feliz com Deus, seja definitivamente apagado” (S. João Paulo II, no Cemitério em Madri, 02/11/1982).

O Dia de Finados é dia de aprendizado: Para lembrar o que somos e o que nos aguarda. Hoje é dia de aprender com a morte. Quando nasce alguém, pouco se pode dizer: talvez venha a ser sábio, talvez, não; talvez, rico, talvez pobre; talvez viva muito tempo, talvez, não. Mas, de ninguém se diz: talvez morra, talvez não. A única coisa certa na vida é a morte. E o incrível é que se alguém está com uma doença incurável, dizemos: pobrezinho, deve morrer, está condenado, não tem cura, está com os dias contados. Mas, não deveríamos dizer o mesmo de cada um que nasce? Dizia Santo Agostinho: a morte é uma doença incurável que contraímos ao nascer. Nascemos para morrer. Pode parecer trágico a alguns, mas é a pura verdade.

O fato de que vamos morrer nos ensina a aproveitar o tempo que nos resta. É a seriedade da vida e da morte. Todos os dias morremos um pouco. E, sempre estamos a um só passo da morte. Sua possibilidade real pesa sobre cada um de nós. Milhares de pessoas morrem a cada minuto. Muitos que não pensavam na morte, mais do que nós. Não há nada mais certo do que a morte. E nada mais incerto do que a morte. Já nos encontraremos diante de Deus para a retribuição eterna. E de que adiantará ter conquistado o mundo inteiro? Mais dia, menos dia, e tudo deixaremos.

Nós, cristãos, devemos crer que nossos mortos vivem num sentido bem verdadeiro e pleno: vivem “em Deus”.

“As almas dos justos estão na mão de Deus, diz a Escritura, nenhum tormento os tocará” (Sb 3,1). A coisa mais útil que podemos fazer enquanto meditamos a Palavra de Deus não é, portanto, falar dos mortos, mas falar da morte. A morte, ao invés, toca-nos de perto a todos. Diante dela, somos radicalmente iguais, todos indefesos, como crianças que, na escuridão da noite, sozinhas na grande cama dos pais, medrosas apertam-se entre si.

O que perpassa todos os textos bíblicos da comemoração dos Fiéis Defuntos é a esperança da vida que nasce da morte, a partir do mistério pascal de Cristo Jesus. Em Cristo Jesus, abre-se uma nova perspectiva, onde a morte já não é mais o fim fatídico e desesperador, mas a passagem para uma realidade nova de plenitude de vida em Deus.

A fé, no Cristo ressuscitado, transforma a vida do cristão. A morte já não é mais o fim de todas as coisas. Ela é, antes, uma porta, uma passagem para uma realidade nova. O Cristo vivo garante a vida para sempre (cf. Jó 19,1.23-27; Rm 5, 5-11; Jo 6, 37-40). A morte será eliminada definitivamente em Cristo Jesus (cf. Is 25, 6-9; Rm 8, 14-23; Mt 25, 31-46). A Igreja vive a esperança da glória em Cristo Jesus (cf. Sb 3, 1-9; Ap 21, 1-7; Mt 5, 1-12).

Ao perpassar os textos bíblicos, vemos que a morte do Cristo transforma-se num despertar para a vida eterna feliz em Deus.

Para quem acreditou em Deus e Lhe serviu, a morte não é um salto no vazio, mas para os braços de Deus: é o encontro pessoal com Ele, para habitar com Ele no amor e na alegria da sua amizade. O cristão autêntico não teme, por isso, a morte; pelo contrário: considerando que, enquanto vivemos na terra, “vivemos longe do Senhor,”  repete São Paulo: “ desejamos sair deste corpo para habitar com o Senhor” (2Cor 5, 6.8). Não se trata de exaltar a morte, mas considerá-la como realmente é no projeto de Deus: o nascimento para a vida eterna.

Esta visão serena e otimista da morte fundamenta-se na fé em Cristo e na nossa pertença a Ele.

Todos os homens foram entregues a Cristo, e Ele os redimiu com o preço do Seu sangue. Se aceitarem pertencer-Lhe e viverem na fé e na prática das boas obras, em conformidade com o Evangelho, podem ter a certeza de serem contados entre os “Seus” e, como tais, ninguém os poderá arrancar da Sua mão, nem sequer a morte. “Quer vivamos, quer morramos, pertencemos ao Senhor” (Rm 14,8). Somos do Senhor porque nos redimiu e incorporou em Si, porque vivemos n’Ele e para Ele pela graça e pelo amor; se somos Seus, na vida, continuaremos a sê-lo na morte. “ Ele transformará o nosso corpo mortal à imagem de seu corpo glorioso” (Cânon III).

Sem a ressurreição, a mesma fé seria vã (1Cor 15,14) e nós não poderíamos fazer outra coisa, diante da morte, do que “ afligir-se como os outros que não tem esperança” (1Ts 4,3). Na leitura bíblica (Jó 19,25-27), ouvimos a voz de Jó que dizia: “ Eu sei que o meu redentor está vivo e que, por último, se levantará sobre o pó; e depois que tiverem destruído esta minha pele, na minha carne verei a Deus. Aquele que eu vir será para mim, aquele que os meus olhos contemplarem não será um estranho”.  Depois de Cristo, algo mudou para melhor: nós dizemos: Com minha carne- e não sem ela- verei o meu Deus.

Nós, cristãos, temos a resposta ao enigma da morte. É Jesus! A divindade ocultou-se sob a humanidade de Cristo e aproximou-se da morte, que o matou, mas, depois foi morta pela ressurreição. Como nos diz a Liturgia: Morrendo, Ele destruiu a morte. Depois de Cristo, a morte humana já não é a mesma de antes. Como grita de alegria São Paulo: “Ó morte, onde está a tua vitória? Cristo ressuscitou!” (1Cor 15,55). “Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que tenha morrido, viverá” (Jo 11,25), afirmou Nosso Senhor.

Recitando o Credo, afirmamos a nossa fé: “Creio na vida eterna”. E, visitando os cemitérios, para rezar com afeto e com amor pelos nossos defuntos, somos convidados, mais uma vez, a renovar com coragem e com força a nossa fé na vida eterna, aliás, a viver com esta grande esperança e testemunhá-la ao mundo: por detrás do presente não existe o nada. E é precisamente a fé na vida eterna que confere ao cristão a coragem de amar ainda mais intensamente esta nossa Terra e de trabalhar para lhe construir um futuro, para lhe dar uma esperança verdadeira e segura.

Por intercessão de Maria Santíssima e de São José, invoquemos do Senhor a graça de nos prepararmos serenamente para partir deste mundo, quando Ele nos quiser chamar, na esperança de poder habitar eternamente com Ele, em companhia dos santos e dos nossos queridos defuntos.

Desde sempre, a Igreja rezou pelos mortos (cf.2 Mac 12, 43-44).

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