Tudo é nada, se não nos leva ao Céu!

Monsenhor José Maria Pereira

O Evangelho (Mc 9,38-43.45.47-48) relata-nos que João se aproximou de Jesus para dizer-lhe que tinham visto uma pessoa que expulsava os demônios em nome d’Ele. Como não era do grupo que acompanhava o Mestre, tinham-no proibido de fazê-lo. Jesus respondeu-lhes: ”Não o proibais, pois ninguém faz milagres em meu nome para depois falar mal de mim. Estão com ciúme! Jesus reprova a intransigência e a mentalidade exclusivista e estreita dos discípulos, e abre-lhes o horizonte e o coração para um apostolado universal, variado e diversificado.

Diz Jesus: “Quem não é contra nós é a nosso favor.” E, para testemunhar que tudo aquilo que se faz em Seu nome tem sempre algum merecimento, acrescenta: “Se alguém vos der a beber um copo de água, porque sois de Cristo, não ficará sem receber a sua recompensa.” A mais insignificante obra de misericórdia, feita por amor a Cristo, terá a recompensa, ainda que seja feita por alguém que ainda não pertence à comunidade. E, se é feita em favor dos irmãos ou de quem, na Igreja, é representante do Senhor, Ele aceitará e recompensará como se fosse feita a Si mesmo (Mt 10, 40-42).

Vale a pena destacar e refletir mais no Evangelho de hoje: Um fulano que não era um dos seguidores de Jesus, e tinha expulsado demônios no seu nome. O apóstolo João, jovem e zeloso como era, queria impedi-lo, mas Jesus não permitiu que João impedisse o fulano de expulsar demônios e, aliás, inspira-se naquela ocasião para ensinar aos seus discípulos que Deus pode realizar coisas boas e até prodigiosas, mesmo fora do seu círculo, e que se pode colaborar para a causa do Reino de Deus de vários modos, também oferecendo um simples copo de água a um missionário (Mc 9, 41). A esse propósito, Santo Agostinho escreve: “Como na Católica — ou seja, na Igreja – é possível encontrar o que não é católico, assim fora da Católica pode existir algo de católico” (Agostinho, Sobre o batismo contra os donatistas: PL 43, Vll, 39, 77 ). Por isso, os membros da Igreja não devem ter inveja, mas alegrar-se, se alguém fora da comunidade realiza o bem em nome de Cristo, contanto que o faça com intenção reta e com respeito. Também no interior da própria Igreja, às vezes pode acontecer que haja dificuldade de valorizar e apreciar, num espírito de profunda comunhão, as coisas boas realizadas pelas várias realidades eclesiais. No entanto, todos nós devemos ser sempre capazes de nos apreciarmos e estimarmos reciprocamente, louvando o Senhor pela “fantasia” infinita com que Ele age na Igreja e no mundo.

“Se alguém escandalizar um destes pequeninos que creem…”. No Evangelho de hoje, que se mostra bastante forte, Jesus pede para se evitar o escândalo aos outros. Em grego, o termo skandalon indica uma pedra que se coloca no caminho de outro para que tropece. Assim, escandalizar significa induzir, levar alguém ao mal. Devemos evitar a todo custo levar os outros a pecar pelo nosso mau exemplo, palavras, atos e omissões.

Cada um deve se perguntar: Será que já não levei alguém ao mal, pelo mau comportamento, ou convidando e até ensinando a pecar? É terrível, mas se sou intencionalmente causa de queda de um irmão mais fraco na fé, sou como satanás, o tentador.

Quem vos der a beber um copo de água porque sois de Cristo, não ficará sem receber a sua recompensa, disse Jesus. O valor e o mérito das obras boas estão principalmente no amor a Deus com que se realizam: “Um pequeno ato, feito por Amor, quanto não vale!” (Caminho, 814). Deus recompensa, sobretudo, as ações de serviço aos outros, por pequenas que pareçam: “Vês esse copo de água ou esse pedaço de pão que uma mão caritativa dá a um pobre por amor de Deus? Pouca coisa é na realidade e quase não estimável para o juízo humano; mas Deus recompensa-o e concede imediatamente por isso aumento a caridade” (Tratado do amor de Deus, livro 3, cap. 2).

Nosso Senhor emprega uma linguagem simbólica, colocando exemplos concretos de mão, pé e olho, ao estilo oriental: “Se tua mão te leva a pecar, corta-a! É melhor entrar na Vida sem uma das mãos, do que, tendo as duas, ir para o inferno, para o fogo que nunca se apaga” (Mc 9, 43). E assim Jesus fala de cortar o pé; arrancar o olho se esses membros levam ao pecado! Não há que se tomar ao pé da letra. São imagens para gravar no coração e na mente. Não são as mãos, os pés ou os olhos que induzem ao mal, mas as más intenções, o que se decide em nossa alma. Somos fracos e frágeis, e existem situações que nos colocam em grave risco de cedermos ao mal. Brincar com o fogo é pedir para se queimar.

Tudo que nos põe em perigo próximo de pecado, se é possível, deve ser evitado. Pode ser uma amizade, um namoro, um livro, um filme, uma novela. Cortar e arrancar: essas palavras deixam evidente a gravidade e a atitude a tomar. Jesus Cristo julgou melhor prevenir com as palavras que depois lamentar os fatos.

Há uma lógica rigorosa na concepção cristã do mundo e da vida: tudo é nada, se não serve ao nosso destino supremo. O que impede entrar na vida eterna é de extrema gravidade. Há que rechaçar com atitude enérgica. Por isso, o cristianismo, para ser vivido com coerência e fidelidade, exige, com frequência, o heroísmo. Façamos o que está ao nosso alcance e peçamos o que não está. Teremos a ajuda divina.

Jesus, depois de ter ensinado a obrigação de evitar o escândalo aos outros, coloca agora as bases da doutrina moral cristã sobre a ocasião de pecado; a doutrina do Senhor é imperiosa: o homem está obrigado a afastar e a evitar a ocasião próxima de pecado, como o próprio pecado, segundo o que já tinha dito Deus no Antigo Testamento: “Quem ama o perigo nele cairá” (Eclo 3, 27). O bem eterno da nossa alma é superior a qualquer estima de bens temporais. Portanto, tudo aquilo que nos põe em perigo próximo de pecado deve ser cortado e arrancado de nós. Essa forma de falar – tão gráfica- do Senhor deixa bem claro a gravidade dessa situação.

Nós, cristãos, não temos mentalidade de partido único, de quem condena formas apostólicas diferentes daquelas que, por formação e modo de ser, sente-se chamado a realizar. A única condição — dentro da grande variedade de modos de levar Cristo às almas – é a unidade no essencial, naquilo que pertence ao núcleo fundamental da Igreja.

Quais os critérios para discernirmos se uma determinada associação mantém a comunhão com a Igreja? Entre os critérios, diz São João Paulo II, encontra-se a primazia que se deve dar à vocação de cada cristão para a santidade, que tem como fruto principal a plenitude de vida cristã e a perfeição da caridade. Nesse sentido, as associações de leigos estão chamadas a ser instrumento de santidade na Igreja.

Outro critério apontado pelo Papa é o apostolado, que deve, antes de mais nada, proclamar a verdade sobre Cristo, sobre a Igreja e sobre o homem, em filial obediência ao Magistério da Igreja que a interpreta autenticamente. Trata-se de uma participação no fim sobrenatural da Igreja, que tem como objetivo a salvação de todos os homens. Todos os cristãos participam desse único fim missionário…

Se somos cristãos verdadeiros, embora, às vezes, sejamos muito diferentes uns dos outros, sentir-nos-emos comprometidos a levar para Deus a sociedade em que vivemos e da qual fazemos parte. E nos será fácil aceitar modos de ser e de atuar bem diferentes dos nossos. Como nos alegramos de que o Senhor seja anunciado de formas tão diversas! Isto é o que realmente importa: que Cristo seja conhecido e amado.

O Evangelho (Boa Nova) deve chegar a todos os cantos da terra! E para o cumprimento dessa tarefa, o Senhor conta com a colaboração de todos: homens e mulheres, sacerdotes e leigos, jovens e anciãos, solteiros e casados, religiosos… conforme tenham sido chamados por Deus, com iniciativas que nascem da riqueza da inteligência humana e do impulso sempre novo do Espírito Santo.

Todo cristão é chamado a dilatar o Reino de Cristo, e qualquer circunstância é boa para levar a cabo essa tarefa. Diz o Concílio Vaticano II: “onde quer que o Senhor abra uma porta à palavra para proclamar o mistério de Cristo a todos os homens, anuncie-se com confiança e sem cessar o Deus vivo e Jesus Cristo, enviado por Ele para a salvação de todos” (Decreto Ad Gentes,13).

“Conservemos a doce e reconfortante alegria de evangelizar, mesmo quando temos de semear entre lágrimas” (Papa Paulo VI, Evangelii Nuntiandi).

Nós, que recebemos o dom da fé, sentimos a necessidade de comunicá-la aos outros, fazendo-os participar do grande achado da nossa vida. Essa missão, como se vê na vida dos primeiros cristãos, não é da competência exclusiva dos pastores de almas, mas tarefa de todos, de cada um segundo as suas circunstâncias particulares e a chamada que recebeu do Senhor.

É nesta direção que o Doc. de Aparecida nos aponta: “Conhecer a Jesus Cristo pela fé é nossa alegria; segui-Lo é uma graça, e transmitir este tesouro aos demais é uma tarefa que o Senhor nos confiou ao nos chamar e nos escolher” (A,18).

Celebramos hoje o DIA DA BÍBLIA.

A Palavra de Deus sempre nos oferece uma luz para as mais diversas situações de nossa vida. “Por isso, como discípulos e missionários de Jesus, queremos e devemos proclamar o Evangelho, que é o próprio Cristo. Os cristãos somos portadores de boas novas para a humanidade, não profetas de desventuras” (Doc. de Aparecida,30).

Inspirados na mensagem do Evangelho, por intercessão de Maria Santíssima, oremos para que saibamos alegrar-nos por cada gesto e iniciativa de bem, sem inveja, nem ciúmes, utilizando sabiamente os bens terrenos na busca contínua dos bens eternos.

Afinal, “o que os olhos não viram, o que os ouvidos não ouviram, e o coração do homem não percebeu, isso Deus preparou para aqueles que O amam”. Vale a pena ser fiel. Será gratificante ouvir da boca de Nosso Senhor: “Servo bom e fiel, entra na alegria do teu Senhor”.

 

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