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O Escândalo da Cruz

Monsenhor José Maria Pereira

O Evangelho (Mc 8, 27-35) nos apresenta Jesus com os seus discípulos em Cesareia de Filipe. Enquanto caminham, Jesus pergunta aos Apóstolos: “Quem dizem os homens ser o Filho do homem?” E depois que eles apresentaram as várias opiniões que as pessoas tinham, Jesus pergunta-lhes diretamente: “E vós, quem dizeis que Eu sou?” (Mc 8, 29). O momento escolhido para lhes colocar esta questão não é sem significado. Jesus encontra-se num ponto de viragem decisiva da sua vida. Sobe para Jerusalém, para o lugar onde será realizado, através da Cruz e Ressurreição, o Acontecimento central da nossa salvação. É também em Jerusalém que, depois de todos estes acontecimentos, vai nascer a Igreja. E, neste momento decisivo, Jesus começa por perguntar aos seus discípulos: “Quem dizem os homens que Eu sou?” (Mc 8,27), recebendo deles respostas muito variadas: João Batista, Elias, um profeta… Ainda hoje, como ao longo dos séculos, aqueles que, de diversas maneiras, se cruzaram com Jesus no seu caminho têm a sua resposta a dar.  A resposta de Pedro é clara e imediata: “Tu és o Cristo”, isto é, o Messias, o consagrado de Deus, o enviado para salvar o seu povo. Portanto, Pedro e os outros Apóstolos, ao contrário da maior parte das pessoas, creem que Jesus não é só um grande mestre, ou um profeta, mas muito mais. Têm fé: creem que n’Ele está presente e age Deus. Mas logo após esta profissão de fé, quando Jesus, pela primeira vez anuncia abertamente que terá que sofrer e morrer, o próprio Pedro opõe-se à perspectiva de sofrimento e de morte. Então Jesus deve repreendê-lo com vigor, para lhe fazer compreender que não é suficiente crer que Ele é Deus, mas estimulado pela caridade é preciso segui-Lo pelo seu mesmo caminho, o da Cruz (Mc 8, 31-33). Jesus não nos veio ensinar uma filosofia, mas mostrar-nos um caminho, aliás, o Caminho que conduz à vida.

Este caminho é amor, que é a expressão da verdadeira fé. Se alguém ama o próximo com o coração puro e generoso, significa que deveras conhece a Deus. Se ao contrário alguém diz que tem fé, mas não ama os irmãos, não é um verdadeiro crente. Deus não habita nele. Afirma São Tiago: “… a fé, se não se traduz em obras, por si só está morta” (Tg 2, 17). Diz São João Crisóstomo, comentando o trecho citado da Carta de Tiago: “Uma pessoa pode até ter uma reta fé no Pai e no Filho, assim como no Espírito Santo, mas se não tem uma vida reta, a sua fé não lhe servirá para a salvação. Portanto, o que lês no Evangelho: ‘A vida eterna consiste nisto: que Te conheçam a Ti, único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a Quem enviaste’ (Jo 17, 3), não penses que este versículo seja suficiente para nos salvar: são necessários uma vida e um comportamento puríssimos”.

Disse São João Paulo II, em 1980: “Todos nós conhecemos esse momento em que já não basta falar de Jesus, repetindo o que os outros disseram, em que já não basta referir uma opinião, mas é preciso dar testemunho, sentir-se comprometido pelo testemunho dado e depois ir até aos extremos das exigências desse compromisso. Os melhores amigos, seguidores, apóstolos de Cristo, foram sempre aqueles que perceberam um dia dentro de si a pergunta definitiva, incontornável, diante da qual todas as outras se tornam secundárias e derivadas: “Para você, quem sou Eu?” Todo o futuro de uma vida “depende da nossa resposta nítida e sincera, sem retórica nem subterfúgios, que se possa dar a essa pergunta”.

Essa pergunta encontra particular ressonância no coração de Pedro, que, movido por uma graça especial, respondeu: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo”. Jesus chama-o bem-aventurado (Feliz és tu, Simão…) por essa resposta cheia de verdade, na qual confessou abertamente a divindade dAquele em cuja companhia andava há vários meses. Esse foi o momento escolhido por Cristo para comunicar ao seu Apóstolo que sobre ele recairia o Primado de toda a sua Igreja: “Por isso eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e o poder do inferno nunca poderá vencê-la…”.

Pedro confessou sua fé no Cristo, Filho de Deus vivo, graças à escuta de sua palavra e à cotidiana convivência. O Discípulo reconheceu o Messias porque a revelação do Pai encontrou nele abertura e acolhida. Quer dizer, descobre a verdade dos desígnios de Deus quem se deixa iluminar pela luz da fé. Com razão, reconhece o Documento de Aparecida: “A fé em Jesus como o Filho do Pai é a porta de entrada para a Vida”. Como discípulos de Jesus, confessamos nossa fé com as palavras de Pedro: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (DAp, 100). A fé é um dom de Deus, é uma adesão pessoal a Ele. Crer só é possível pela graça e pelos auxílios interiores do Espírito Santo.

Para dar uma resposta convincente de fé, os cristãos precisam conhecer a fundo Jesus Cristo, saber sempre mais sobre sua pessoa e obra, pela leitura e meditação dos Evangelhos e pelos encontros com Ele por meio da ação litúrgica, em particular, dos Sacramentos.

“Tu és Pedro…”. Pedro será a rocha, o alicerce firme sobre o qual Cristo construirá a sua Igreja, de tal maneira que nenhum poder poderá derrubá-la. E foi o próprio Senhor que quis que ele se sentisse apoiado e protegido pela veneração, amor e oração de todos os cristãos. Se desejamos estar muito unidos a Cristo, devemos estar sim, em primeiro lugar, a quem faz as suas vezes aqui na terra. Ensinava São Josemaria Escrivá: “Que a consideração diária do duro fardo que pesa sobre o Papa e sobre os bispos, te leve a venerá-los, a estimá-los com verdadeiro afeto, a ajudá-los com a tua oração” (Forja, 136).

O nosso amor pelo Papa não é apenas um afeto humano, baseado na sua santidade, simpatia, etc. Quando vamos ver o Papa, escutar a sua palavra, fazemo-lo para ver e ouvir o Vigário de Cristo, o “doce Cristo na terra”, na expressão de Santa Catarina de Sena, seja ele quem for. O Romano Pontífice é o sucessor de Pedro; unidos a ele, estamos unidos a Cristo.

Jesus continua perguntando-nos: “quem dizeis que eu sou?” Para responder, não basta procurar na memória alguma fórmula que aprendemos no Catecismo, ou ouvimos de outros ou lemos nos livros. É preciso procurar no coração, em nossa fé vivida e testemunhada. Assim descobriremos o que Jesus representa, de fato, em nossa vida. À essa pergunta (quem dizeis que eu sou?), Pedro é o primeiro, com grande convencimento, proclamou : “Tu és o Messias”! Também o primeiro a reagir: “Pedro tomou-O à parte e começou a censurá-Lo”. Precisamente porque reconhece n’Ele o Messias, o Filho de Deus vivo, não pode admitir que Jesus tenha de sucumbir à perseguição e à morte. Como verdadeiro judeu, também ele se escandaliza da Cruz e considera-a uma loucura, um absurdo. Jesus, porém, não condescende e trata-o como tinha tratado o tentador do deserto: “Vai para longe de mim, satanás! Tu não pensas de acordo com Deus, mas de acordo com os homens”! (Mc 8, 33). Palavras duras que evidenciam que, qualquer tentativa para afastar a Cruz, para ambicionar um cristianismo sem o Crucificado e para eliminar o sofrimento da própria vida, é tudo inspirado por “satanás”. Por isso, Jesus, depois de ter falado aos seus mais íntimos acerca da paixão, convoca a multidão e anuncia a todos a necessidade da Cruz: “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me; pois quem quiser salvar sua vida, a perderá; mas quem perder sua vida por causa de Mim e do Evangelho, a salvará” (Mc 8, 34-35). Os apóstolos aprenderão, pouco a pouco, esta lição; todos eles, de uma ou de outra maneira, pegarão na Cruz e darão a sua vida por Cristo; e Pedro morrerá por amor d’Ele nessa Cruz que tanto o escandalizara.

Se o cristão não testemunhar a sua fé em Cristo aceitando carregar com Ele a Cruz, a sua fé é vã, está pura e simplesmente morta. O caminho por onde Jesus nos quer conduzir é um caminho de esperança para todos. A Glória de Jesus revela-se no momento em que, na sua humanidade, Ele Se mostra mais frágil, especialmente na Encarnação e na Cruz. É assim que Deus manifesta o seu amor, fazendo-Se servo, dando-Se a nós. Porventura não é este um Mistério extraordinário, por vezes difícil de admitir? O próprio apóstolo Pedro só o compreenderá mais tarde.

A dor e qualquer tipo de sofrimento são condição necessária para chegarmos à intimidade com Cristo. Com a dor – a Cruz –, acompanhamo-lo ao Calvário, não nos separamos dEle nesses momentos em que mais sente a deslealdade, a covardia e a omissão dos homens: identificamo-nos plenamente com Ele.

Mas, além disso, quando tiramos os olhos dos nossos próprios sofrimentos para os por nos sofrimentos inauditos de Cristo, esvaziamos a nossa Cruz pessoal de qualquer elemento de tragédia e solidão, e vemos nela um tesouro, uma “carícia divina” que passamos a agradecer do fundo da alma. Obrigado, Senhor!, é o que dizemos diante de quaisquer circunstâncias adversas. O Senhor retira então o que há de mais áspero, incômodo e doloroso nos nossos sofrimentos e eles deixam de pesar e oprimir; pelo contrário, preparam a alma para a oração e dilatam o coração para que seja mais generoso e compreensivo com os outros.

Já o cristão que recusa sistematicamente o sacrifício e não se conforma com as contrariedades e a dor, nunca encontra Cristo no caminho da sua vida, como também não encontra a felicidade. Quantos cristãos não se sentem tristes no final do dia, abatidos e sem impulso vital, por não terem sabido santificar, não já as grandes contradições, mas as pequenas contrariedades que foram surgindo ao longo da jornada!

Vamos dizer a Jesus que queremos segui-Lo em todos os passos da sua vida e da nossa, que nos ajude a levar a Cruz de cada dia com garbo. Pedimos-lhe que nos acolha entre os seus discípulos mais íntimos. “Senhor”, suplicamos-lhe, “toma-me como sou, com os meus defeitos, com as minhas debilidades; mas faz-me chegar a ser como Tu desejas” (São João Paulo ll), como fizeste com Simão Pedro.

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