Condições para Seguir Jesus

Mons. José Maria Pereira

O Evangelho (Lc 14, 25-33) ensina que a verdadeira sabedoria, que nos leva à salvação, consiste no seguimento radical de Cristo; multidões O seguiam e Jesus voltando-se, disse-lhes: “Se alguém vem a mim, e não se desapega de seu pai e sua mãe, sua mulher e seus filhos, seus irmãos e suas irmãs e até da sua própria vida, não pode ser meu discípulo”.  Algumas traduções da Bíblia usam a palavra odiar…: (e não odeia pai e mãe, mulher, filhos, irmãos, irmãs e até a própria vida, não pode ser meu discípulo”).

Odiar, na linguagem bíblica, ou renunciar, segundo o uso semítico, significa amar menos, pospor, como se pode apreciar no texto paralelo de Mt10, 37: “Quem amar o pai ou a mãe mais do que a mim, não é digno de mim”. Só Deus tem o direito ao primado absoluto no coração e na vida do homem; Jesus é Deus e, por conseguinte, é lógico que o exija como condição indispensável para ser Seu discípulo. “Mas o Senhor, comenta S. Ambrósio, não manda nem desconhecer a natureza nem ser escravo dela; manda atender à natureza de tal maneira que se venere o Seu Autor e não afastar-se de Deus por amor aos pais”. Isto é válido para todos, mesmo para os simples cristãos, como para todos é válida também a frase seguinte: “Quem não carrega sua Cruz e não caminha atrás de mim, não pode ser meu discípulo” (Lc 14, 27). Jesus vai a caminho de Jerusalém onde será crucificado e, à multidão que O segue, declara a necessidade de levar a Cruz com amor e constância. Ele levou a Cruz até morrer pregado nela; o cristão não pode pensar em levá-la só em alguns momentos da vida, mas terá que abraçá-la todos os dias, até à morte.

O seguimento de Cristo exige uma atitude radical de desprendimento de tudo que possa opor-se à proposta de Jesus. Mesmo os valores mais sagrados, como relacionamento familiar, devem submeter-se ao valor superior, o do Reino de Deus, à imitação de Jesus Cristo. Quem deseja ser discípulo de Jesus Cristo deve estar pronto a investir tudo, até a própria vida, até os valores mais sagrados como as vinculações de sangue e os bens materiais.

Isso não significa que os cristãos devam renunciar aos vínculos familiares e aos deveres de membros da sociedade. Significa antes que são chamados a viverem estes relacionamentos com liberdade e dedicação, respeitando o valor das pessoas e das coisas, bem como a própria dignidade.

“Se alguém vem a mim, mas não odeia o pai, a mãe…”; estas palavras do Senhor não devem desconcertar ninguém. O amor a Deus e a Jesus Cristo deve ocupar o primeiro lugar na nossa vida e devemos afastar tudo aquilo que ponha obstáculos a este amor: “Amemos neste mundo a todos, comenta São Gregório Magno, ainda que seja ao inimigo; mas odeie-se o que se nos opõe no caminho de Deus, ainda que seja parente… Devemos, pois, amar o próximo; devemos ter caridade com todos; com os parentes e com os estranhos, mas sem nos afastarmos do amor de Deus por amor deles”. Em última análise, trata-se de observar a ordem da caridade: Deus tem prioridade sobre tudo.

O Jesus que fala é o mesmo que manda amar os outros com a própria alma e entrega a Sua vida pelos homens. A frase, “se não odiar pai e mãe…” indica simplesmente que perante Deus não cabem meias-tintas. Poderiam traduzir-se as palavras de Cristo por amar mais, amar melhor, ou então por não amar com amor egoísta nem também com um amor de vistas curtas: devemos amar com o Amor de Deus. Devem estar prontos, no seu caminho na vastidão do mundo, para sofrer em primeira pessoa o martírio, para testemunhar o Evangelho do Senhor crucificado e ressuscitado. Se a palavra de Jesus, nesta peregrinação a Jerusalém, na qual uma grande multidão o acompanha, é dirigida antes de tudo aos Doze, a sua chamada naturalmente, além do momento histórico, alcança todos os séculos. Em todos os tempos Ele chama algumas pessoas para contar exclusivamente com Ele, para deixar todo o resto e estar totalmente à sua disposição e, desse modo, à disposição dos outros: para criar um oásis de amor abnegado num mundo no qual muitos frequentemente parecem valer só o poder e o dinheiro. Damos graças ao Senhor, porque em todos os séculos nos doou homens e mulheres que por amor a Ele deixaram tudo, tornando-se sinais luminosos do seu amor! Basta pensar em pessoas como Bento e Escolástica, Francisco e Clara de Assis, Inácio de Loyola, Teresa d’Ávila, Madre Teresa de Calcutá, João Paulo ll, Irmã Dulce ( Anjo Bom da Bahia)! Estas pessoas, com a sua vida inteira, foram uma interpretação da palavra de Jesus, que neles se torna próxima e compreensiva para nós. E rezemos ao Senhor para que também no nosso tempo conceda a muitas pessoas a coragem de deixar tudo, para estar à disposição de todos.

“Quem não carrega sua Cruz… não pode ser meu discípulo” (Lc 14, 27). O caminho do cristão é a imitação de Jesus Cristo. Não há outro modo de O seguir senão acompanhá-Lo com a própria Cruz. A experiência mostra-nos a realidade do sofrimento, e que este leva à infelicidade se não se aceita com sentido cristão. A Cruz não é uma tragédia, mas pedagogia de Deus que nos santifica por meio da dor para nos identificarmos com Cristo e nos tornarmos merecedores da glória. Por isso é tão cristão amar a dor: “Bendita seja a dor. Amada seja a dor. Santificada seja a dor… Glorificada seja a dor!” (Caminho, 208).

“… Qualquer um de vós, se não renunciar a tudo o que tem, não pode ser meu discípulo” (Lc 14, 33). Se antes o Senhor falou de “odiar” os pais e até a própria vida, agora exige com igual vigor o desprendimento total das riquezas. Esta renúncia das riquezas há de ser efetiva e concreta: o coração deve estar desembaraçado de todos os bens matérias para poder seguir os passos do Senhor. Pois, é impossível “servir a Deus e ao dinheiro” (Lc 16, 13). Dizia São Josemaria Escrivá: “Se és homem de Deus, põe em desprezar as riquezas o mesmo emprenho que põem os homens do mundo em possuí-las”. (Caminho, 633).

A mensagem de Jesus é e vale para todos! “Quem quiser salvar sua vida a perderá, e quem perder sua vida por causa de mim a salvará. De que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder-se e a arruinar a si mesmo?”( Lc 9, 24-25 ). Quem quiser somente possuir a própria vida, tomá-la só para si mesmo, irá perdê-la. Somente quem se doa recebe a sua vida. Por outras palavras: somente aquele que ama, encontra a vida. E o amor requer sempre o sair de si mesmo, requer sempre deixar-se a si mesmo. Quem volta atrás para procurar a si mesmo e quer ter o outro somente para si, perde assim a si mesmo e ao outro. Sem este mais profundo perder-se a si mesmo não há vida. Apenas o amor de Deus, que se perdeu a si mesmo por nós, entregando-se por nós, torna possível que também nós nos tornarmos livres, não nos preocuparmos e, dessa maneira, encontrarmos deveras a vida. Com a sua palavra o Senhor dá-nos a certeza de que podemos contar com o seu amor, o amor de Deus feito homem. Reconhecer isto é a sabedoria da qual nos fala o livro da Sabedoria: “… os homens aprenderam as coisas que vos agradam e pela sabedoria foram salvos” (Sab 9,18). De fato, vale também aqui que todo o saber do mundo não serve se não aprendermos a viver, se não compreendermos o que conta verdadeiramente na vida.

Quem é o homem sábio à luz da experiência cristã? É aquele que não se deixa enredar pelas coisas, que consegue salvar em cada circunstância o primado de Deus e do Espírito, quem não arrisca o todo pela parte, o eterno pelo transitório, o importante por aquilo que é somente urgente.

Os sábios por excelência, na visão cristã, são os santos: que equilíbrio neles entre a dedicação a Deus e a dedicação aos homens! Os santos não pertencem apenas ao passado!

Hoje somos chamados a viver a sabedoria de Deus, a seguir Jesus Cristo, a sermos santos!

Que não caiamos no relaxamento, na falta de comprometimento cristão, no perigo de servir a dois senhores, de ser sal insípido. Saibamos que a Verdade é exatamente o contrário! A tantas comunidades e a tantos cristãos de hoje poder-se-ia dirigir a censura que, no Apocalipse, é dirigida à Igreja de Laodicéia e que incutiu um temor salutar aos leitores de todos os tempos: “Conheço as tuas obras: não és nem frio nem quente. Oxalá fosses frio ou quente! Mas, como és, morno, nem frio nem quente, vou vomitar-te. Reanima, pois, o teu zelo e arrepende-te. Eis que estou à porta e bato” (Ap 3,15-20).

Podemos concluir, fazendo uma oração espontânea: “Jesus, estamos um pouco apavorados por aquilo que nos disseste hoje. Nosso espírito está pronto, mas nossa carne é fraca. Nosso espírito sabe que se pedes coisas é porque queres doar-nos outras muito maiores. Sustenta a fraqueza de nossa vontade; inflama nosso desejo por estas coisas grandes que reservas para nós e assim também as coisas que pedes nos parecerão pequenas e quase insignificantes, e nós viveremos de verdade sempre voltados para os bens eternos.”

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