Cleber Francisco Alves
Professor e Defensor Público
(ex-aluno da Escola São Salvador)
Há 50 anos, precisamente no dia 21 de janeiro de 1968, o então vigário da Paróquia de Cascatinha, Padre Cirillo Calaon, juntamente com um grupo de moradores do bairro que estava se formando ao longo da Rua Juiz Castro e Silva, no 2º Distrito de Petrópolis, fundava a Comunidade São Salvador. Em meados dos anos 60 do século passado iniciara-se um progressivo aumento da população dos atuais bairros do Jardim Salvador e Roseiral. Naquela época, esses bairros eram conhecidos por seu antigo nome: Volta do Lixo e Aterro Alto. O aumento populacional suscitou a necessidade de propiciar assistência religiosa e educação primária para as dezenas de famílias de trabalhadores de classes mais pobres que construíam suas casas em terrenos de loteamentos implantados na localidade.
Preocupado com essas necessidades de seu povo, o Padre traçou um plano de ação pastoral e humanista que tinha como base a implantação de “comunidades” cuja finalidade era não apenas promover a evangelização, mas também motivar as pessoas para se organizarem a fim de – coletivamente – conseguir melhorias para suas condições de vida. Dentre todas as necessidades, uma se destacava nas preocupações do Pe. Cirillo: prover a educação básica para os filhos desses trabalhadores pobres. Essas iniciativas eram parte de um programa paroquial mais amplo, que também se implementava noutros cantos da Paróquia de Cascatinha, como foi o caso do Carangola e Alcobaça (Rua Humberto Rovigatti).
Para concretizar essas metas, em 30 de setembro de 1967 havia sido adquirido no alto do Loteamento Jardim Salvador um pequeno terreno, com área de pouco mais de 200 metros quadrados, que se destinaria à futura construção da sede da comunidade que viria a ser formalmente fundada em janeiro de 1968. A ideia não era prioritariamente construir um novo templo religioso, mas um prédio multifuncional que servisse como escola durante o dia, que abrigasse as reuniões e demais atividades comunitárias e, nos finais de semana, que pudesse também ser utilizado para a celebração das Missas. Durante os anos de 1968 e 1969, em sistema de mutirão, aos sábados, domingos e feriados, centenas de moradores trabalhavam intensamente na preparação do terreno e início das obras do prédio da Comunidade. A solenidade de colocação da pedra fundamental, no dia 08 de junho de 1969, foi memorável. O então presidente da Comunidade, Sr. Jair Miguel Soares discursou: “Hoje, temos o ato simbólico do lançamento da pedra fundamental. Amanhã, partiremos para a construção de nossa sede e depois sim, cumpriremos com nossos propósitos, ou sejam, os de dar assistência e os de educar os necessitados.” Desde o início, a prioridade era construir o primeiro pavimento do prédio, que seria destinado a implantação da Escola primária. Os trabalhos continuaram sob a liderança dos sucessivos presidentes: Sr. Joaquim da Motta Mendes, Sr. José Alexandre Esteves e Sr. Osmar Corrêa de Lima até que, finalmente, em 1974, conseguiram consolidar a instalação da Escola Paroquial São Salvador, que funcionou – ao longo de quase 30 anos – em convênio com a Prefeitura Municipal de Petrópolis.
Embora o grupo de fundadores tenha sido formado na sua maioria por homens, as mulheres foram grandes protagonistas da história da Comunidade. No registro da ata de fundação constam os nomes de três mulheres: Carmélia Pércia da Penha, Heroína da Cunha Soares e Ester Ângela Raymundo. Um nome que, embora não conste entre os das fundadoras, não deve ser jamais esquecido é o da D. Cléia Pércia da Penha Paiva. Dentre os homens, além do Padre Cirillo, figuravam como fundadores Jair Miguel Soares, Mario Ventura Ribeiro, Emílio Raposo de Rezende, Sebastião Severiano Netto, Antônio Cabral de Souza, Silvio Augusto, José Alves, Pedro Paulo Blandy e Joaquim da Motta Mendes. Mas, ao longo dos anos, centenas de outros moradores, cujos nomes estão na memória dos que viveram essa bela página da história do bairro, contribuíram também para a construção daquele sonho. Muitas horas de trabalho na obra ou na realização de eventos promovidos para arrecadar fundos: festas, bazares, almoços e até baile de carnaval…
Neste ano em que se recorda o cinquentenário de fundação da Comunidade São Salvador, não se pode deixar de prestar homenagem àquele que foi seu idealizador: o sacerdote católico italiano que posteriormente veio a receber do Papa o título de Monsenhor, o padre Cirillo Calaon. Era grande sua consciência comunitária e preocupação com a educação como único caminho capaz de conduzir aquelas crianças pobres do bairro a um futuro melhor. Alguns dos lemas do Pe. Cirillo bem expressam sua personalidade. Ele dizia: “um bem organizado é um bem multiplicado” e sempre argumentava que “para o poder público, é mais barato ajudar do que fazer; e é mais educativo”. Embora comprometida com a evangelização cristã, a proposta da Comunidade não discriminava moradores de outras religiões. Num jornalzinho escrito no ano de 1971 ele disse: “Nós, católicos, espíritas e crentes, estamos trabalhando em nome de Cristo para aplicar o Seu programa à comunidade do bairro”. Antes, numa carta de 1968, já tinha escrito que “o padre veio animar a criação da comunidade; continua a dar assistência religiosa aos católicos e incentiva-os a trabalhar com os vizinhos de outras crenças, dentro do mútuo respeito cristão.” O Padre Cirillo foi sucedido, em 1978, pelo Pe. Dilson Passos Júnior, que deu seguimento ao projeto de seu antecessor finalizando a construção do prédio da Comunidade.
Tinha o Padre Cirillo grande preocupação com a dignidade de seu povo. Por isso, ao fundar a Comunidade, iniciou uma campanha para mudar o nome do bairro de “Volta do Lixo” para Bairro São Salvador. Com efeito aquele nome antigo trazia grande desconforto e até certa vergonha para seus moradores: quando iam indicar o endereço residencial em algum documento, para fazer um crediário ou postular um emprego, tinham que indicar como bairro o nome “Volta do Lixo”! Sensível a tal questão, Padre Cirillo mandou preparar uma bela placa que foi afixada no início da Rua Juiz Castro e Silva, junto à Estrada União e Indústria, exatamente na curva que era conhecida como “volta do lixo”, indicando que aquele lugar deveria passar a ser conhecido pelo nome de “Comunidade São Salvador”. Em 1976, inclusive, chegou a ser aprovada uma lei que atribuía o nome de Rua São Salvador a uma via pública do bairro, aquela que tem início na Rua Juiz Castro e Silva e passa em frente ao prédio da Comunidade. Para resgate dessa memória, tal lei, que jamais chegou a ser efetivamente implementada, está agora sendo restabelecida por deliberação da Câmara Municipal, com a sanção do Senhor Prefeito.
Nesses cinquenta anos de existência, a Comunidade São Salvador tem desempenhando um papel de enorme importância na vida de milhares de pessoas do bairro Jardim Salvador e adjacências, contribuindo para seu crescimento e desenvolvimento, pessoal e social. Está, assim, cumprindo a missão de difundir os ensinamentos de seu padroeiro, Jesus Cristo, o único e verdadeiro Salvador, “aplicando sua mensagem salvadora à realidade local e tomando-a como norma suprema de seu programa de atividades”, como expressamente fora consignado no Art. 15 do Estatuto aprovado na sua fundação, em 21 de janeiro de 1968!