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Santo Ireneu de Lyon contra as heresias

«Proclamai a Boa Nova a toda a criação»

Depois de Nosso Senhor ter ressuscitado de entre os mortos e de os apóstolos terem sido revestidos da força do alto pela vinda do Espírito Santo (LC 24, 49), eles ficaram cheios de certeza acerca de tudo e tiveram o conhecimento perfeito. Então foram até aos confins da Terra (SL 18, 5) proclamando a boa nova que nos vem de Deus, e anunciando aos homens a paz do céu, eles que possuíam todos igualmente e cada um em particular o Evangelho de Deus.

Assim, Mateus, junto dos hebreus, na sua própria língua, publicou uma forma escrita de evangelho, enquanto que Pedro e Paulo evangelizavam Roma e aí fundavam a Igreja. Depois da morte destes, Marcos, o discípulo de Pedro e o seu intérprete (1P 5,13), transmitiu-nos, também ele por escrito, a pregação de Pedro. Por seu lado Lucas, o companheiro de Paulo, consignou num livro o Evangelho pregado por este. Por fim João, o discípulo do Senhor, o mesmo que descansara no Seu peito, publicou também o Evangelho, durante a sua permanência em Éfeso.

Marcos, intérprete e companheiro de Pedro, apresentou assim o início da sua redação do Evangelho: « Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus, conforme está escrito nos profetas: Eis que envio o meu mensageiro adiante de ti a fim de preparar o teu caminho »… Como se vê, Marcos faz das palavras dos santos profetas o início do Evangelho, e Aquele que os profetas proclamaram Deus e Senhor, Marcos põe-no à cabeça, como Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo… No final do seu evangelho, Marcos diz: «E o Senhor Jesus, depois de lhes ter falado, foi elevado ao céu e sentou-se à direita de Deus». É a confirmação da palavra do profeta: «Oráculo do Senhor ao meu senhor: «Senta-te à minha direita, dos teus inimigos farei escabelo de teus pés».

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«Quem acolher em meu nome uma criança como esta, é a mim que acolhe»

Não teria Deus podido fazer o homem perfeito logo desde o princípio? Tudo é possível a Deus, que desde sempre é idêntico a si mesmo e que não foi criado. Mas os seres criados, porque a existência deles começou depois da de Deus, são necessariamente inferiores àquele que os criou… Porque são criados, não são perfeitos; quando chegam ao mundo, são como crianças e, tal como as crianças, não estão acostumados nem treinados para uma conduta perfeita… Naturalmente que Deus podia dar ao homem a perfeição desde o princípio; mas o homem era incapaz de a receber, porque era apenas uma criança.

Foi por isso que Nosso Senhor, nos últimos tempos, quando recapitulou em si todas as coisas (Ef 1,10), veio até nós, não de acordo com o seu poder, mas tal como seríamos capazes de o ver. Na verdade, Ele teria podido vir na sua glória inexprimível, mas não não éramos ainda capazes de agüentar a grandeza da sua glória… O Verbo de Deus, que era perfeito, fez-se criança para com o homem, nã o por sua causa, mas por causa do estado de infância em que o homem se encontrava.

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«Hoje vimos maravilhas»

O Verbo de Deus veio habitar entre os homens; fez-se “Filho do Homem” para habituar o homem a receber Deus e para habituar Deus a habitar no homem, como era do agrado do Pai. Porque o sinal da nossa salvação, o Emanuel nascido da Virgem, foi dado pelo próprio Senhor (Is 7,14). Com efeito, é o próprio Senhor que salva os homens, pois estes não se podem por si próprios… O profeta Isaías disse: “Fortificai as mãos débeis, robustecei os joelhos vacilantes. Dizei aos que têm o coração pusilânime: «Tomai ânimo, não temais!». Olhai: o vosso Deus aproximou-se, vem executar o julgamento; é chegada a retribuição de Deus, vem em pessoa salvar-nos” (35,3-4). Porque é apenas do socorro de Deus, e não de nós próprios, que podemos obter a nossa salvação.

Eis aqui um outro texto, onde Isaías predisse que aquele que nos salva não é, nem simplesmente um homem, nem um ser incorpóreo: “Não é um mensageiro, nem um anjo, mas o próprio Senhor que salvará o seu povo. Porque ele o ama, perdoar-lhe-á; ele mesmo o libertará” (63,9) … Um outro profeta disse: “Uma vez mais terá compaixão de nós, esquecerá as nossas iniqüidades e lançará os nossos pecados ao fundo do mar” (Mi 7,19) … Do país de Judá, de Bet-Ephrata (Mi 5,1) devia vir o Filho de Deus, que também é Deus, para espalhar o seu louvor por toda a terra … logo, Deus fez-se homem e o próprio Senhor salvou-nos, dando-nos o sinal da Virgem.

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«São Marcos transmite a todo o mundo a fé dos apóstolos»

A Igreja disseminada por todo o mundo, até aos confins da terra, recebeu dos apóstolos e dos seus discípulos a fé num só Deus, Pai todo-poderoso, que “fez o céu, a terra, o mar e tudo quanto contém” (Ex 20, 11; Act 4, 24); num só Cristo Jesus, Filho de Deus, que encarnou pela nossa salvação; e no Espírito Santo que, através dos profetas, anunciou os desígnios de Deus e a vinda do bem-amado Jesus Cristo nosso Senhor, o seu nascimento da Virgem, a sua Paixão, a sua ressurreição de entre os mortos, a sua ascensão em corpo e alma aos céus, na glória do Pai, para “sujeitar todas as coisas “ (Ef 1, 22) e ressuscitar a carne de todo o género humano – a fim de que, diante de Cristo Nosso Senhor, nosso Deus, nosso Salvador e nosso Rei, segundo os desígnios do Pai invisível, “todo o joelho se dobre nos céus, na terra e nos infernos, e toda a língua O confesse” (Fil 2, 10-11) e de que Ele julgue com justiça todas as criaturas. […]

Esta pregação que a Igreja recebeu, esta fé, é guardada com cuidado, como se a Igreja habitasse uma só casa; embora disseminada por todo o mundo, acredita em tudo isto de forma idêntica em toda a parte, como se tivesse “um só coração e uma só alma” (Act 4, 32); prega, ensina e transmite esta mensagem com voz humana, como se tivesse uma só boca. As línguas que se falam no mundo são diversas, mas a força da tradição é uma e a mesma. As Igrejas estabelecidas na Germânia não crêem nem ensinam coisas diferentes das dos Iberos ou dos Celtas, ou das do Oriente, do Egipto ou da Líbia, nem das que foram fundadas no centro do mundo [a Terra Santa]. Assim como o sol, criatura de Deus, é único e o mesmo em todo o mundo, assim a pregação da verdade brilha em toda a parte, iluminando todos os homens que querem “conhecer a verdade” (1 Tim 2, 4).

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«São Mateus, um dos quatro evangelistas»

Não pode haver um número superior nem um número inferior de evangelhos. Com efeito, uma vez que são quatro as regiões do mundo no qual nos encontramos, e quatro os ventos principais, e uma vez que, por outro lado, a Igreja está espalhada por toda a terra e tem por “coluna e sustentáculo” (1 Tim 3, 15) o Evangelho e o Espírito da vida, é natural que haja quatro colunas que sopram a imortalidade de todos os lados e dão vida aos homens. Quando o Verbo, o artesão do universo, que tem o trono sobre os querubins e que sustenta todas as coisas (Sl 79, 2; Hb 1, 3), se manifestou aos homens, deu-nos um evangelho com quatro formas, embora mantido por um único Espírito. Implorando a sua vinda, David dizia: “Manifestai-Vos, Vós que tendes o Vosso trono sobre os querubins” (Sl, 79, 2). Porque os querubins têm quatro figuras (Ez 1, 6), que são as imagens da atividade do Filho de Deus.

“O primeiro [destes seres vivos] era semelhante a um leão” (Ap 4, 7), e caracteriza o poder, a pr eminência e a realeza do Filho de Deus; “o segundo, a um touro”, manifestando a sua função de sacrificador e de sacerdote; “o terceiro tinha um rosto como que de homem”, evocando claramente a sua face humana; “o quarto era semelhante a uma águia em pleno vôo”, indicando o dom do Espírito que paira sobre a Igreja. Os evangelhos segundo João, Lucas, Mateus e Marcos estarão pois, também eles, de acordo com estes seres vivos sobre os quais Cristo Jesus tem o seu trono. […]

Encontramos estes mesmos traços no próprio Verbo de Deus; aos patriarcas que existiram antes de Moisés, falava Ele segundo a sua divindade e a sua glória; aos homens que viveram sob a Lei, atribuiu Ele uma função sacerdotal e ministerial; em seguida, fez-Se homem por nós; por fim, enviou o dom do Espírito a toda a terra, escondendo-os à sombra das Suas asas (Sl 16, 8). […] São, pois, fúteis, ignorantes e presunçosos os que rejeitam a forma sob a qual se apresenta o evangelho, ou introduzem no evangelho um número de figuras maior ou menor do que as que referimos.

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«São Lucas, companheiro e colaborador dos apóstolos»

Que Lucas tenha sido o inseparável companheiro de Paulo, e seu colaborador no Evangelho, o próprio o mostra com evidência, não por gloríola, mas pela força da própria Verdade. Escreve ele: «Depois de Barnabé e João, também chamado Marco, se terem separado de Paulo e embarcado para Chipre, fomos para Tróade» (Act 16, 11); após o que descreve em pormenor toda a viagem, a sua ida a Filipos e o primeiro discurso que fizeram. […] E relata também, pela mesma ordem, toda a viagem que fez com Paulo, referindo com grande cuidado as circunstâncias precisas desta […]. Porque em todas elas Lucas estava de facto presente, tendo-as registado com cuidado – não surpreendemos nos seus relatos mentira nem vaidade, porque aqueles factos aconteceram realmente […].

Que Lucas tenha sido não só o companheiro, mas ainda o colaborador dos apóstolos, de Paulo sobretudo, di-lo claramente o próprio Paulo nas suas epístolas: «Demas abandonou-me e foi para Tessalónica. Crescente foi para a Galácia, Tito para a Dalmácia. Apenas Lucas está comigo» (2 Tm 4, 11). O que prova que Lucas esteve sempre unido a Paulo e de maneira inseparável. Também na epístola aos Colossenses se lê: «Lucas, o médico bem-amado, saúda-vos» (Col 4, 14).

Lucas, por outro lado, deu-nos a conhecer muitos episódios do Evangelho, e dos mais importantes […]. Quem sabe, aliás, se Deus não fez de maneira a que muitos acontecimentos do Evangelho tivessem sido revelados só por Lucas, precisamente para que todos aquiescecessem no testemunho que ele dá em seguida sobre os actos e a doutrina dos apóstolos e para que, ficando assim inalterada a regra da verdade, todos pudessem ser salvos. O testemunho de Lucas é pois verdadeiro: os ensinamentos dos apóstolos são claros, sólidos e não escondem nada […]. Tais são as vozes da Igreja, nas quais a Igreja encontra a sua origem.

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«Domingo de Pentecostes»

O Espírito Santo, que Deus havia prometido aos profetas para mudar os corações dos homens, chegou. Agora conhecemos profundamente a Jesus e a nossa conduta já não é a mesma. Agora, não só falamos de Jesus como realizamos as obras que Ele faz. Fomos transformados, conhecemos a vontade de Deus e possuímos a força para dar testemunho do Evangelho. Temos uma missão a cumprir no mundo e contamos com a Força suficiente para levá-la a cabo. O Espírito Santo é o amor que nos dá a intimidade com o Pai, com Jesus Cristo e conosco mesmos. Já não cabem isolamentos, segregações, mas comunhão no amor. Não mais divisões, mas unidade! Santo Agostinho nos recorda que “cada um de nós pode saber o quanto possui do Espírito de Deus, segundo o amor que sente pela Igreja”. No entanto, esta posse do Espírito Santo em nós não é uma realidade acabada, mas é uma semente em evolução que alcançará sua plena maturidade quando formos definitivamente transformados em Cristo.

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«Ele enviou o Espírito Santo»

Do Tratado Contra as heresias

«Ao dar a seus discípulos poder para que fizessem os homens renascer em Deus, o Senhor disse: “Ide e ensinai a todas as nações, batizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”.

Deus havia prometido pela boca de seus profetas que, nos últimos dias, derramaria seu espírito sobre os servos e servas, e que estes profetizariam; por isto infundiu o Espírito Santo sobre o Filho de Deus que se havia feito Filho do Homem, para assim, permanecendo nele, habitar no gênero humano, repousar sobre os homens e habitar na obra plasmada por suas mãos, realizando assim no homem a vontade do Pai e renovando-o da antiga condição à nova, criada em Cristo.

E São Lucas nos narra como este Espírito, depois da Ascensão do Senhor, pousou sobre os discípulos, no dia de Pentecostes, com o poder de dar a todos os homens entrada na Vida e sua plenitude à Nova Aliança; por isto todos, em unidade de espírito, louvavam a Deus em todas as línguas, […] oferecendo ao Pai as primícias de todas as nações.

Por isto o Senhor prometeu que nos enviaria aquele Advogado que nos faria capazes de Deus. Pois, do mesmo modo que o trigo seco não pode converter-se numa massa compacta e em um só pão, se antes não for umedecida, assim também nós, que somos muitos, não podíamos nos converter em uma só coisa em Cristo Jesus, sem esta água que desce do Céu. E, assim como terra árida não dá fruto se não recebe a água, assim também nós, que éramos antes como um ramo seco, não poderíamos jamais dar o fruto da vida sem o dom desta chuva do alto.

Nossos corpos, com efeito, receberam pelo banho batismal a unidade destinada à incorruptibilidade, porém nossas almas a receberam pelo Espírito.

O Espírito de Deus desceu sobre o Senhor, Espírito de Sabedoria e de Inteligência, Espírito de Conselho e de Fortaleza, Espírito de Ciência e de Temor ao Senhor; Ele, por sua vez, o deu à Igreja, enviando do céu o Advogado sobre toda a terra, lá de onde Satanás foi arremessado como um raio, como disse o Senhor; por isso necessitamos deste orvalho divino para produzirmos fruto e para que não sejamos lançados ao fogo; e já que temos quem nos acusa, tenhamos também um Advogado, pois que o Senhor encomenda ao Espírito Santo o cuidado do homem, sua propriedade, que havia caído em mãos de ladrões, compadecendo-se de suas feridas. E, entregando dois denários régios para que nós, recebendo pelo Espírito a Imagem e a Inscrição do Pai e do Filho, consigamos multiplicar o denário que nos foi confiado, retornando ao Senhor com juros».

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«Mas se é pelo Espírito de Deus que expulso os demônios, quer dizer, então, que chegou até vós o Reino de Deus»

Contra as heresias

Henoc, por ter andado na presença de Deus, foi transferido para o céu no seu corpo, prefigurando assim a transferência dos justos. Também Elias foi elevado tal como se encontrava na substância da sua carne formada (2Rs 2,11), profetizando desse modo o levantamento dos homens espirituais. Os seus corpos não puseram nenhum obstáculo a esta transferência e a este levantamento: foi pelas mesmas mãos pelas quais eles foram formados no princípio (Gn 2,7) que foram transferidos e elevados. Porque, em Adão, as mãos de Deus acostumaram-se a dirigir, a reter e a levar a obra formada por elas, a transportá-la a colocá-la onde queriam. Onde foi pois colocado o primeiro homem? No paraíso, sem dúvida, segundo o que diz a Escritura: “E Deus plantou um jardim no Éden, ao oriente, e nele colocou o homem que havia formado” (Gn 2,8). E foi de lá que ele foi expulso para este mundo, por ter desobedecido…

Alguém acredita que é impossível que os homens permaneçam vivos tanto tempo como os primeiros patriarcas? Alguém acredita que Elias não foi elevado na sua carne, mas que o seu corpo foi destruído no carro de fogo? Ele julga que Jonas, depois de ter sido precipitado no fundo do mar e ter sido engolido por um peixe, foi lançado são e salvo no rio por ordem de Deus. Ananias, Azarias e Misael, lançados numa fornalha ardente, não sofreram nenhum mal e nem mesmo o cheiro do fogo ficou neles (Dn 3,50). Se a mão de Deus os assistiu e realizou neles coisas extraordinárias e impossíveis à natureza humana, que há de extraordinário se, naqueles que foram transferidos, esta mesma mão também realizou uma coisa extraordinária, executando a vontade do Pai? Ora esta Mão é o Filho de Deus (cf Dn 3, 25).

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«Somos Seus irmãos porque Sua Mãe ouviu a palavra e a pôs em prática»

A Virgem Maria foi obediente quando disse: “Eis a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1, 38). Pelo contrário, Eva foi desobediente, tendo desobedecido quando era ainda virgem. E assim como Eva, desobedecendo, se tornou causa de morte para si mesma e para todo o género humano, assim também Maria, tendo por esposo aquele que lhe tinha sido antecipadamente destinado mas mantendo-se virgem, se tornou, pela sua obediência, causa de salvação para si mesma e para todo o género humano. […] Porque o que foi ligado só pode ser desligado quando se desfaz o nó, de tal maneira que um primeiro nó é desatado por um segundo, tendo o segundo a função de desatar o primeiro.

Era por isso que o Senhor dizia que os primeiros seriam os últimos, e os últimos os primeiros (Mt 19, 30). E também o profeta afirma a mesma coisa, ao dizer: “Em lugar dos teus pais, virão os teus filhos” (Sl 44, 17). Porque, ao tornar-Se “o Primogénito dos mortos”, ao receber no seu seio os pais antigos, o Senhor fê-los renascer para a vida em Deus, tornando-Se Ele mesmo “o princípio” (Col 1, 18), já que Adão fora o princípio dos mortos. É também por isso que Lucas começa a sua genealogia pelo Senhor, fazendo-a depois remontar até Adão (Lc 3, 23ss.), indicando assim que não foram os pais que deram a vida ao Senhor, mas foi Ele, pelo contrário, que os fez renascer no Evangelho da vida. Da mesma maneira, o nó da desobediência de Eva foi desatado pela obediência de Maria, porque aquilo que a virgem Eva tinha atado pela sua incredulidade foi desatado pela Virgem Maria pela sua fé.

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«O Filho revela o Pai»

“Ninguém jamais viu a Deus.
O Filho único, que está no seio do Pai,
é que O deu a conhecer” (Jo, 1, 18).

Desde o começo, é o Filho quem revela o Pai, porque Ele está junto do Pai desde o começo. No tempo fixado, foi Ele quem deu a conhecer aos homens, para proveito destes, as visões proféticas, a diversidade das graças, os ministérios e a glorificação do Pai, tudo como uma melodia bem composta e harmoniosa. Com efeito, onde há composição, há melodia; onde há melodia, há tempo fixado; onde há tempo fixado, há proveito. Foi por isso que, para proveito dos homens, o Verbo Se fez dispensador da graça do Pai, segundo os Seus desígnios. Ele mostra Deus aos homens e apresenta o homem a Deus, preservando a invisibilidade do Pai, com receio de que os homens venham a desprezar a Deus e para que eles tenham sempre progressos a fazer, ao mesmo tempo que torna Deus visível aos homens de numerosas formas, com receio de que, totalmente privados de Deus, eles acabem por se esquecer da Sua existência.

Porque a glória de Deus é o homem vivo, e a vida do homem é a visão de Deus. Se a revelação de Deus pela criação já dá a vida a todos os seres que vivem na terra, quanto mais a manifestação do Pai pelo Verbo dá a vida aos que vêem a Deus!

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«Eu vos declaro: Elias já veio»

A propósito de João Baptista, lemos em Lucas: «Será grande diante do Senhor e trará muitos filhos de Israel ao Senhor seu Deus. Caminhará diante d’Ele com o espírito e o poder de Elias, a fim de preparar para o Senhor um povo com boas disposições» (Lc 1,15sg). Para quem preparou ele um povo e diante de que Senhor é ele grande? Sem qualquer dúvida, diante d’Aquele que disse que João tinha qualquer coisa «mais do que um profeta» e que «nenhum de entre os filhos de mulher era maior do que João Baptista» (Mt 11,9.11). Porque João preparava um povo anunciando antecipadamente a vinda do Senhor aos seus companheiros de servidão e pregando-lhes a penitência para que, quando o Senhor estivesse presente, eles estivessem em estado de receber o Seu perdão, de regressar Àquele de quem se tinham afastado pelos seus pecados e transgressões… Por isso, ao trazê-los de volta para o Senhor, João preparava para o Senhor um povo com boas disposições, com o espírito e com o poder de Elias…

O evangelista João diz-nos: «Houve um homem enviado por Deus; o seu nome era João. Tinha vindo como testemunha, para dar testemunho da Luz. Ele não era a Luz, mas vinha para dar testemunho dela» (1,6-8). Esse precursor, João Baptista, que dava testemunho da Luz, foi enviado sem dúvida alguma pelo Deus que… tinha prometido por meio dos profetas enviar o Seu mensageiro diante de Seu Filho, para lhe preparar o caminho (Ml 3,1; Mc 1,2), quer dizer, para dar testemunho da Luz com o espírito e com o poder de Elias… Precisamente porque João é uma testemunha, o Senhor diz que ele é mais do que um profeta. Todos os outros profetas anunciaram a vinda da luz do Pai e desejaram ser julgados dignos de ver Aquele que pregavam. João profetizou como eles mas viu-O presente, mostrou-O e convenceu muitos a crerem n’Ele, de tal forma que ocupou simultaneamente o lugar de profeta e o de apóstolo. Eis porque é que Cristo diz que ele era «mais do que um profeta».

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«Tu revelaste-as aos pequeninos»

Aquilo que o Senhor nos ensina é que ninguém pode conhecer a Deus a menos que Deus Se mostre; dito de outra maneira, não podermos conhecer a Deus sem o auxílio de Deus. Mas o Pai quer ser conhecido: conhecê-Lo-ão aqueles a quem o Filho O revelar. […] Este “revelar” não designa apenas o futuro, como se o Verbo só tivesse começado a revelar o Pai depois de ter nascido de Maria; aplica-se à totalidade do tempo. Desde o começo que o Filho, presente na criação que Ele próprio modelou, revela o Pai a todos quantos o Pai deseja ser revelado, quando Ele deseja sê-lo, como Ele deseja sê-lo. Em todas as coisas, e através de todas as coisas, não há senão um Deus-Pai, um único Verbo, um único Espírito e uma única salvação para todos quantos crêem nele.

Com efeito, ninguém pode conhecer o Pai sem o Verbo de Deus, isto é, se o Filho não O revelar, nem conhecer o Filho sem “o agrado” do Pai (Mt 11, 26). Ora, aquilo que, na Sua bondade, o Pai quer, cumpre-o o Filho: o Pai envia, o Fil ho é enviado, e vem. E este Pai infinito, que para nós é invisível, é conhecido pelo Seu próprio Verbo, que dá a conhecer Aquele que é inexprimível (Jo 1, 18).

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«Filho de Adão»

Lucas apresenta uma genealogia que remonta do nascimento de Nosso Senhor até Adão e comporta setenta e duas gerações; deste modo, como que liga o fim ao principio, dando a entender que o Senhor foi Aquele que recapitulou em Si todas as nações dispersas desde Adão, todas as línguas e as gerações dos homens, incluindo o próprio Adão. É também por isso que Paulo chama a Adão “figura daquele que havia de vir” (Rom 5, 14), porque o Verbo, Artesão do universo, tinha esboçado em Adão a futura história da humanidade de que se revestiria o Filho de Deus. […]

Ao tornar-se o Primogénito dos mortos (Col 1, 18), e ao receber no seu seio os antigos pais, o Senhor fê-los renascer para a vida de Deus; tornou-se o primeiro, o príncipe dos vivos, porque Adão se tinha tornado o príncipe dos mortos. […] Ao começar a sua genealogia no Senhor, fazendo-a remontar a Adão, Lucas indica que não foram os pais que deram a vida ao Senhor, mas foi Ele que os fez renascer no Evangelho da vida. Da mesma maneira, o nó da desobediência de Eva foi desatado pela obediência de Maria, porque a Virgem Maria desatou pela fé aquilo que a Virgem Eva tinha atado pela sua incredulidade.

Era, pois, indispensável que, vindo ter com a ovelha pedida (Mt 18, 12), recapitulando uma tão longa história, vindo à procura da sua obra, por Ele mesmo modelada (Lc, 19, 10; Gn 2, 8), o Senhor salvasse o homem que tinha sido feito à Sua imagem e semelhança (Gn 1, 26), isto é, Adão.

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«O Deus dos vivos»

Na sua resposta aos saduceus que negavam a ressurreição e por isso desprezavam Deus e ridicularizavam a Lei, nosso Senhor e Mestre provou ao mesmo tempo a ressurreição e fez conhecer Deus. “E quanto à ressurreição dos mortos, não lestes o que Deus disse: Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob?” E acrescenta: “Não dos mortos, mas dos vivos é que Ele é Deus!”. Assim, ele fez conhecer, de uma forma clara, que, quem falou a Moisés do seio da sarça e quem declarou ser o Deus dos pais, é o Deus dos vivos. Quem será então o Deus dos vivos senão o verdadeiro Deus, acima do qual não há outro? Foi ele que o profeta Daniel anunciou, quando respondeu a Ciro, rei dos persas…: ”Não venero um ídolo feito pela mão do homem, mas sim o Deus vivo, que criou o céu e a terra e que exerce o seu domínio sobre toda a carne”. E disse ainda: “Eu não adoro senão o Senhor meu Deus, porque é um Deus vivo” (Dan 14, 5.25).

O Deus que os profetas adoravam, o Deus vivo, é ele o Deus dos vivos, assim como o seu Verbo, que falou a Moisés na sarça e que também refutou os saduceus e concedeu a ressurreição. É ele quem, a partir da Lei, demonstrou a esses cegos estas duas coisas: a ressurreição e o verdadeiro Deus. Se ele não é o Deus dos mortos mas dos vivos, e se ele foi chamado de Deus dos pais, que adormeceram, sem dúvida alguma eles estão vivos para Deus e não morreram; “eles são filhos da ressurreição”. Ora, a ressurreição é nosso Senhor em pessoa, como ele próprio disse: “Eu sou a ressurreição e a vida” (Jo 11,25). E os pais são seus filhos porque ele disse pelo profeta: “Em lugar dos teus pais, virão os teus filhos” (Sl 44,17).

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«A vinha de Deus»

Deus plantou a vinha do gênero humano quando moldou Adão e elegeu os patriarcas. Depois, confiou-a a vinhateiros pelo dom da Lei transmitida por Moisés. Rodeou-a de uma sebe, quer dizer, delimitou a terra que eles deveriam cultivar. Construiu uma torre, isto é, escolheu Jerusalém. Enviou-lhes profetas antes do exílio da Babilônia, e mais outros depois do exílio, em maior número do que os primeiros, para reclamar os frutos e dizer-lhes: “Endireitai os vossos caminhos e o vosso modo de vida” (Jr 7,3); “Julgai com justiça, praticai a piedade e a misericórdia cada um para com o seu irmão; não oprimais a viúva nem o órfão, o estrangeiro ou o pobre; que ninguém entre vós conserve no coração a lembrança da maldade de seu irmão” (Za 7,19) …; “Retirai a malícia dos vossos corações… aprendei a fazer o bem. Procurai a justiça; salvai o que sofre de injustiça” (Is 1,16) …

Eis com que pregações os profetas reclamavam o fruto da justiça. Mas como aquela gente permanecia incrédula, Deus enviou-lhes finalmente o seu Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, que aqueles maus vinhateiros mataram e lançaram fora da vinha. Por isso, Deus a confiou – já não delimitada mas alargada ao mundo inteiro – a outros vinhateiros para que lhes dêem os frutos a seu tempo… A torre da eleição ergue-se em toda a parte com o seu brilho, porque em toda a parte resplandece a Igreja; em toda a parte também foi esmagado o lagar porque estão em toda a parte os que recebem a unção do Espírito de Deus…

Por isso o Senhor dizia aos discípulos, para azer de nós bons operários: “Tende cuidado convosco e velai constantemente para que os vossos corações não se tornem pesados com a devassidão e com as preocupações materiais” (Lc 21,34). “Que os vossos rins estejam cingidos e as vossas lâmpadas acesas. E sede como homens que esperam o seu senhor” (Lc 12,35).

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«Vem, segue-me»

Por ter seguido a Palavra de Deus, o seu apelo, espontânea e livremente na generosidade da sua fé, Abraão tinha-se tornado “o amigo de Deus” (Ti 2,23). Não foi por causa de uma necessidade premente que o Verbo de Deus procurou esta amizade com Abraão, porque ele era perfeito desde o princípio: “Antes que Abraão existisse, disse ele, Eu sou” (Jo 8,58). Foi para poder, na sua bondade, dar a Abraão a vida eterna… Também no princípio, não foi porque tivesse necessidade do homem que Deus moldou Adão, mas para ter alguém para cumular com os seus benefícios.Também não foi porque tivesse necessidade do nosso serviço que ele nos ordenou que o seguíssemos, mas para nos alcançar a salvação. Porque seguir o Salvador é tomar parte na salvação, tal como seguir a luz é tomar parte na luz. Quando os homens estão na luz, não são eles que iluminam a luz e a fazem resplandecer, antes são iluminados e tornados resplandecentes por ela… Deus concede os seus benefícios aos que o servem porque o servem e aos que o seguem porque o seguem;Também não foi porque tivesse necessidade do nosso serviço que ele nos ordenou que o seguíssemos, mas para nos alcançar a salvação. Porque seguir o Salvador é tomar parte na salvação, tal como seguir a luz é tomar parte na luz. Quando os homens estão na luz, não são eles que iluminam a luz e a fazem resplandecer, antes são iluminados e tornados resplandecentes por ela… Deus concede os seus benefícios aos que o servem porque o servem e aos que o seguem porque o seguem; mas não recebe deles nenhum benefício, porque é perfeito e não precisa de nada.

Se Deus solicita o serviço do homens, é para poder, na sua bondade e misericórdia, conceder os seus benefícios aos que perseveram no seu serviço. Porque, se Deus não precisa de nada, o homem precisa da comunhão com Deus. A glória do homem é perseverar no serviço de Deus. É por isso que o Senhor dizia aos seus discípulos: “Não fostes vós que me escolhestes, fui eu que vos escolhi” (Jo 15,16), indicando assim que, por terem seguido o Filho de Deus, por ele eram glorificados: “Pai, quero que onde eu estiver, também eles estejam comigo, a fim de contemplarem a minha glória” (Jo 17,24).

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«Cristo revela o Pai»

”Nunca ninguém viu Deus; o Filho único, que está no seio do Pai, é que O revelou” (Jo 1,18). O Filho revela o Pai desde o princípio, porque desde o princípio que Ele está junto do Pai; no tempo oportuno, mostrou aos homens, para proveito deles, as visões proféticas, a variedade dos carismas, os ministérios e a glorificação do Pai, de forma coerente e clara: quem diz coesão diz harmonia, quem diz harmonia diz tempo oportuno, quem diz tempo oportuno diz proveito. Foi por isso que o Verbo se fez dispensador da glória do Pai para proveito dos homens, por amor de quem Ele realizou tais coisas: assim, mostra Deus aos homens e apresenta o homem a Deus, preservando a invisibilidade do Pai, com receio de que o homem venha a desprezar Deus. Mas, ao mesmo tempo, para que haja sempre um progresso possível, torna Deus visível aos homens mostrando-O de muitas maneiras, com receio de que o homem, totalmente privado de Deus, deixe de existir.

Porque a glória de Deus é o homem vivo e a vida do homem é poder ver Deus. Se a revelação de Deus a partir da criação dá vida a todo o ser vivo sobre a terra, quanto mais a manifestação do Pai pelo Verbo dará vida àqueles que vêem Deus!

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«Abraão viu o meu dia e ficou feliz»

“Abraão, vosso pai, exultou com o pensamento de ver o meu dia; viu-o e regozijou”. Que quer isto dizer? “Abraão confiou em Deus, e isso foi-lhe outorgado como mérito” (Gn 15,6). Ele acreditou, em primeiro lugar, que era ele o autor do céu e da terra, o único Deus; em seguida, que ele tornaria a sua descendência semelhante às estrelas do céu… É pois justo que, deixando todos os seus parentes terrestres, siga a Palavra de Deus, fazendo-se estrangeiro com o Verbo a fim de se tornar concidadão do Verbo.

É também justo que os apóstolos, esses descendentes de Abraão, deixando as suas barcas e os seus pais, sigam o Verbo. É justo enfim que nós, que temos a mesma fé que Abraão, pegando em nossa cruz como Isaac pegou na lenha (Gn 22,6), sigamos este mesmo Verbo. Porque em Abraão o homem tinha sido educado adiantadamente e tinha-se habituado a seguir o Verbo de Deus. Abraão seguiu com efeito, na sua fé, o mandamento da Palavra de Deus, cedendo apressadamente o seu único e bem amado filho em sacrifício a Deus, a fim de que Deus consentisse em entregar o seu Filho bem amado e único em sacrifício para nossa redenção.

E como Abraão era profeta e via pelo Espírito o dia da vinda do Senhor e a disposição da sua paixão, quer dizer a salvação para si próprio e para todos os que como ele acreditassem em Deus, exultou de grande alegria. O Senhor não era pois desconhecido de Abraão, pois que este desejava ver o seu dia… a fim de poder… abraçar Cristo, e tendo-o visto de maneira profética pelo Espírito, ele exultou.

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«Ele é a imagem do Deus invisível…;
n’Ele tudo foi criado…;
tudo foi criado por Ele e para Ele»
(Col 1, 15-16)

Quando se tratou do cego de nascença, não foi só por uma palavra mas por uma acção que o Senhor lhe concedeu a vista. Não agiu assim sem razão nem por acaso, mas para que conhecêssemos a Mão de Deus que, no princípio tinha modelado o homem. Por isso, quando os discípulos lhe perguntaram de quem era a culpa deste homem ser cego, dele mesmo ou dos seus pais, o Senhor declarou: “Nem pecou ele, nem os seus pais, mas isto aconteceu para nele se manifestarem as obras de Deus”. Estas “obras de Deus” são, primeiro que tudo, a criação do homem que a Escritura bem descreve como uma ação: “E Deus tomou um pouco de argila e modelou o homem” (Gn 2,7). Foi por isso que o Senhor cuspiu no chão, fez lama e ungiu os olhos do cego. Mostrava assim de que modo se tinha realizado a moldagem inicial e, para aqueles que eram capazes de compreender, manifestava a Mão de Deus que tinha esculpido o homem a partir da argila…

E porque, nesta carne modelada em Adão, o homem tinha caído na transgressão e precisava do banho do novo nascimento (Tt 3,5), o Senhor disse ao cego, após ter-lhe untado os olhos com a lama: “Vai lavar-te à piscina de Siloé”. Concedia-lhe assim ao mesmo tempo a remodelagem e a regeneração operada pelo banho. Desta forma, depois de se ter lavado, “ele regressou, vendo bem”, a fim de reconhecer aquele que o tinha remodelado e aprender ao mesmo tempo quem era o Senhor que lhe tinha dado a vida…

Assim, aquele que, no princípio, tinha modelado Adão e a quem o Pai tinha dito: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança” (Gn 1,26), esse mesmo se manifestou aos homens no fim dos tempos e remodelou os olhos deste descendente de Adão.

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«A lei perfeita, a da liberdade» (Tg 1,25)

“A quem te tirar a túnica, diz Cristo, dá também o teu manto; a quem ficar com o que te pertence, não o reclames; e aquilo que quiserdes que os outros vos façam, fazei-o vós a eles” (Mt 5,40; Lc 6,30-31). Deste modo, não nos entristeceremos como as pessoas a quem lhes arrebatam os bens contra a sua vontade, mas, pelo contrário, alegrar-nos-emos como pessoas que dão de bom grado, uma vez que faremos ao próximo um dom gratuito em vez de cedermos a uma pressão. E, diz ainda, “se alguém te obrigar a caminhar uma milha, caminha duas com ele”. Desse modo, não o seguimos como um escravo mas precedemo-lo como homens livres. Em todas as coisas, portanto, Cristo convida-te a tornares-te útil ao teu próximo, não considerando a sua maldade mas acrescentando a tua bondade. Convida-nos assim a tornar-nos semelhantes ao nosso Pai “que faz nascer o sol sobre os maus e sobre os bons e cair a chuva sobre os justos e sobre os injustos” (Mt 5,45).

Tudo isto não é obra de quem vem abolir a Lei mas de alguém que a cumpre e a alarga a todos nós (Mt 5,17). O serviço da liberdade é um serviço maior; o nosso libertador propõe-nos uma submissão e uma devoção mais profundas a esse respeito. Porque Ele não nos libertou das amarras da Lei antiga para que nos separemos d’Ele… mas para que, tendo recebido mais abundantemente a sua graça, O amemos mais e, tendo-O amado mais, recebamos d’Ele uma glória ainda maior quando estivermos para sempre na presença de seu Pai.

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«Não mais servos, mas amigos» (Jo 15,15)

A Lei foi promulgada primeiro para escravos, a fim de educar a alma para as coisas exteriores e corporais, levando-a em certa medida como por uma corrente à docilidade aos mandamentos, a fim de que o homem aprendesse a obedecer a Deus. Mas o Verbo de Deus libertou a alma; ele ensinou-a a purificar-se livremente, de livre vontade, também o corpo. Portanto, era preciso que fossem retiradas as cadeias da servidão, graças às quais o homem se pudera formar, e de futuro ele seguisse a Deus sem cadeias. Mas ao mesmo tempo que os preceitos da liberdade eram vastos, era preciso reforçar a submissão ao Rei, a fim de que ninguém voltasse para trás e não se mostrasse indigno do seu Libertador…

Foi por isso que o Senhor nos deu por palavra de ordem, em vez de não cometer adultério, de nem sequer cobiçar; em vez de não matar, de nem sequer nos encolerizarmos; em vez de pagar simplesmente a dízima, de distribuir todos os bens pelos pobres; de amar não apenas os que nos são próximos, mas também os nossos inimigos; de não ser apenas «generosos e prontos a partilhar» (1 Tim 6,18), mas ainda de darmos gentilmente os nossos bens aos que no-los tomam…

Por conseguinte, Nosso Senhor, a Palavra de Deus, comprometeu primeiro os homens numa servidão em relação a Deus e em seguida libertou os que lhe tinham sido submissos. Como ele próprio disse aos seus discípulos: «Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; chamei-vos amigos, porque tudo quanto ouvi de Meu Pai vo-lo dei a conhecer» (Jo 15,15) … Ao fazer dos seus discípulos os amigos de Deus, mostra claramente que ele é o Verbo, a Palavra de Deus. Porque foi por ter seguido o seu apelo espontaneamente e sem cadeias, na generosidade da sua fé, que Abraão se tornou «amigo de Deus» (Is 41,8).

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«…A fim de que dê a vida eterna
a todos os que lhe entregaste»

No princípio, não foi porque precisasse do homem que Deus modelou Adão, mas para ter alguém em quem depositasse os seus benefícios. Porque, não só antes de Adão mas mesmo antes de toda a criação, já o Verbo glorificava o Pai, permanecendo n’Ele, e era glorificado pelo Pai, tal como Ele próprio disse: “Pai, glorifica-Me com a glória que Eu tinha junto de Ti antes do princípio do mundo”. Também não foi porque tivesse necessidade do nosso serviço que Ele nos ordenou que O seguíssemos, mas para nos obter a salvação. Porque seguir o Salvador é participar da salvação, tal como seguir a luz é tomar parte da luz.

Quando os homens estão na luz, não são eles que iluminam a luz e a fazem resplandecer, antes são iluminados e tornados resplandecentes por ela; longe de lhe acrescentar o que quer que seja, eles beneficiam da luz e por ela são iluminados. O mesmo acontece com o serviço prestado a Deus; o nosso serviço não acrescenta nada a Deus, porque Deus não precisa do serviço dos homens; mas, àqueles que O servem e O seguem, Deus dá a vida, a incorruptibilidade e a glória eterna…

Se Deus solicita o serviço dos homens é para poder, Ele que é bom e misericordioso, conceder os seus benefícios aos que perseveram no seu serviço. Porque, se Deus não precisa de nada, o homem precisa da comunhão de Deus. A glória do homem é perseverar no serviço de Deus. É por isso que o Senhor dizia aos seus discípulos: “Não fostes vós que Me escolhestes, fui Eu que vos escolhi a vós” (Jo 15,16). Indicava assim que não eram eles que O glorificavam sguindo-O mas que, por terem seguido o Filho de Deus, eram glorificados por Ele. “Pai, quero que onde Eu estiver eles estejam também comigo, para contemplarem a minha glória” (Jo 17,24).

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«Proclamai a Boa Nova a toda a criação»

A partir do momento em que nosso Senhor ressuscitou dos mortos e os apóstolos foram revestido com a força do alto pela vinda do Espírito Santo (Lc 24,49), eles ficaram cheios de certeza a propósito de tudo e receberam o perfeito conhecimento. Então, foram até às extremidades da terra (Sl 18,5), proclamando a Boa Nova que nos vem de Deus e anunciando aos homens a paz do céu, eles que possuíam todos por igual e cada um em particular o Evangelho de Deus.

Assim, Mateus, no meio dos Hebreus e na sua própria língua, publicou uma forma escrita do Evangelho, enquanto Pedro e Paulo evangelizavam Roma e aí fundavam a Igreja. Após a morte deles, Marcos, discípulo de Pedro e seu intérprete (1Pe 5,19), transmitiu-nos também por escrito a pregação de Pedro. Por seu lado, Lucas, companheiro de Paulo, consignou num livro o Evangelho pregado por este. Por fim, João, o discípulo do Senhor, o mesmo que tinha repousado sobre o seu peito, publicou também ele o Evangelho, durante a sua estadia em Éfeso…

Marcos, intérprete e companheiro de Pedro, apresentou assim o início da sua redacção do Evangelho: «Início do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus. Tal com está escrito nos profetas, “eis que envio o meu mensageiro diante de ti para preparar o teu caminho”»… Como se vê, Marcos faz das palavras dos santos profetas o início do Evangelho, e aquele que os profetas proclamaram como Deus e Senhor, Marcos põe-no logo a abrir como Pai de nosso Senhor Jesus Cristo… No fim do Evangelho, Marcos diz: «E o Senhor Jesus, depois de lhes ter falado, foi levado aos céus e sentou-se à direita de Deus». É a confirmação da palavra do profeta: «Oráculo do Senhor ao meu senhor: Senta-te à minha direita e eu farei dos teus inimigos escabelo para os teus pés» (Sl 109,1).

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