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Os deveres da pessoa, segundo a Doutrina Social da Igreja – Padre Anderson Alves

Dissermos anteriormente que João XXIII afirma que os direitos naturais estão vinculados, no mesmo sujeito jurídico (a pessoa), a deveres recíprocos (Pacem in terris, n. 28-33). Ambos, deveres e direitos, se fundam na lei que a razão humana reconhece ao refletir sobre si mesma e os bens humanos, que é tradicionalmente conhecida como “lei natural”. O direito à vida está, por exemplo, ligado ao dever de se conservar vivo e de promover a vida do outro; o direito a ter uma vida digna se refere ao dever de se viver dignamente e querer o mesmo do próximo; o direito a buscar livremente a verdade se vincula ao dever de se buscar um conhecimento cada vez mais profundo, de formar sempre a própria consciência e de manifestar a verdade conhecida na vida pública a quem tem o direito de conhecê-la (virtude da veracidade). Essas leis da razão procedem do conhecimento dos seus bens e da aplicação a eles do preceito fundamental da razão prática: “o bem deve ser feito e o mal evitado”.

Além disso, é central para a vinculação de direitos e deveres a chamada “Regra de ouro” da razão natural, afirmada por Cristo e conhecida por todos os seres racionais responsáveis. Está presente em todas as religiões antigas e culturas, mas é uma lei da razão humana natural. De fato, ao ser formulada, a razão humana a aceita espontaneamente. No Novo Testamento a “Regra de Ouro” aparece na boca de Jesus com a seguinte formulação: “Assim como desejais que os outros vos tratem, tratai-os do mesmo modo” (Lc 6, 31). “Tudo, portanto, quanto desejais que os outros vos façam, fazei-o, vós também, a eles” (Mt 7, 12). Está presente também em Hillel, mestre judeu de São Paulo, em sua versão negativa: “Não fazes a teu próximo o que tu detestarias que te fosse feito”. Segundo um estudioso do tema, a “Regra” é uma espécie de “linguagem comum do planeta”, compartilhada por pessoas com divergentes concepções de moralidade (Jeffrey Wattles. The Golden Rule. New York: Oxford University Press, 1996).

Dessa forma, a determinado direito natural da pessoa corresponde o dever de se reconhecer esse direito por parte dos demais e de o promover, para si e para o próximo. João XXIII diz que quem reivindica os próprios direitos e se esquece dos seus deveres se assemelha a alguém que constrói um edifício com uma mão e com a outra o destrói.

Bento XVI em Caritas in Veritate também trata esse tema (n. 43). Ele disse: “A solidariedade universal é para nós não só um fato e um benefício, mas também um dever”. Entretanto, hoje muitos pretendem reivindicar diversos direitos para si, achando que não devem nada a ninguém, a não ser a si mesmos. Ao fazer isso se esquecem que são responsáveis pelo bem comum e pelo desenvolvimento integral próprio e alheio. Por isso, a reflexão sobre os direitos pressupõe deveres, sem os quais o exercício dos direitos se transforma em pura arbitrariedade.

E alertou o Papa: “Assiste-se hoje a uma grave contradição: enquanto, por um lado, se reivindicam presuntos direitos, de carácter arbitrário e libertino, querendo vê-los reconhecidos e promovidos pelas estruturas públicas, por outro existem direitos elementares e fundamentais violados e negados a boa parte da humanidade. Aparece com frequência assinalada uma relação entre a reivindicação do direito ao supérfluo, se não mesmo à transgressão e ao vício, nas sociedades opulentas e a falta de alimento, água potável, instrução básica, cuidados médicos elementares em certas regiões do mundo do subdesenvolvimento e nas periferias de grandes metrópoles” (Bento XVI, Caritas in veritate, n. 43).

Desse modo, os direitos individuais, quando são desvinculados dos deveres que lhes daria um sentido completo, enlouquecem e criam um sem-fim de exigências praticamente ilimitada e sem critérios. “A exasperação dos direitos desemboca no esquecimento dos deveres” (Bento XVI). Os deveres delimitam os direitos porque se remetem ao bem integral do homem, conhecido pela razão. Assim os deveres reforçam os direitos e propõem a sua defesa e promoção como um compromisso com o bem de todos.

Se, pelo contrário, os direitos do homem encontram o seu fundamento apenas nas escolhas de alguns (como do Parlamento), eles podem ser alterados, assim como o dever de os respeitar e seguir, por parte das consciências. De fato, os governos e os organismos internacionais às vezes abandonam a objetividade dos direitos, colocando em risco o verdadeiro desenvolvimento dos povos. E acabam perdendo a sua autoridade sobre os seus subordinados. Segundo Bento XVI, “a partilha dos deveres recíprocos mobiliza muito mais do que a mera reivindicação de direitos”.

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