Missa do Bom Pastor oferece inclusão e esperança para famílias de pessoas com deficiência

Em Teresópolis, uma iniciativa silenciosa, mas profundamente transformadora, está mudando a trajetória de muitas famílias que, até pouco tempo atrás, se sentiam excluídas da vida eucarística comunitária. Trata-se da “Missa do Bom Pastor”, fruto do carisma da Comunidade Católica Nossa Senhora D’Ajuda, que vive o lema de promover o encontro de cada pessoa com Cristo, especialmente dos enfermos do corpo e da alma.

Rogerio Tosta / Ascom Diocese de Petrópolis
A Missa Bom Pastor, celebrada na Igreja Matriz São Pedro, em Teresópolis que permite a participação as pessoas com deficiência e suas famílias

A semente dessa obra de misericórdia foi plantada por Franklin Cunha Cardoso, fundador da comunidade, após o impacto de uma conversa com Dom Gregório Paixão, OSB, então bispo da diocese. “Ele me dizia, brincando, que a nossa diocese não tinha deficientes, surdos, nem autistas, como se fossem invisíveis”, relembra Franklin. A perplexidade diante dessa ‘invisibilidade’ ecoou fortemente no coração do fundador, principalmente depois de tomar conhecimento de uma carta escrita por uma mãe de uma criança autista, manifestando seu desejo de participar da missa, mas que não podia devido aos cuidados com a filha, confirmando a urgência de construir espaços reais de inclusão.

Inspirados pelo Evangelho de Lucas (4, 38-41), que narra a cura da sogra de Pedro e de todos os que buscavam Jesus, o carisma que move a comunidade gerou, há dois anos e meio, um projeto de Missa dominical adaptada. É um momento sagrado onde crianças e adultos com autismo, surdez, deficiência motora ou múltipla têm livre acesso, acolhidos com respeito às necessidades sensoriais e emocionais de cada um, sem olhares de julgamento. A liturgia é cuidadosamente organizada: músicas mais suaves, ausência de palmas, ventiladores desligados para evitar desconfortos, bancos adaptados para cadeirantes e a presença de intérpretes de Libras.

Tudo é pensado para que o encontro com Jesus aconteça plenamente, em meio à fragilidade e à esperança. “Quantas mães e pais passavam anos privados de comungar em comunidade, pela dificuldade de levar seus filhos à igreja? Era inadmissível! O carisma que Deus nos deu é justamente para não deixar ninguém de fora da casa do Senhor”, partilha Franklin. O projeto foi abraçado pela Paróquia São Pedro, com apoio do Padre Ernandes, que era pároco nessa paróquia, e apoio de profissionais e pessoas preparadas para lidar com pessoas com deficiência.

Dom Joel Portella Amado com os consagrados e vocacionados da Comunidade Nossa Senhora D’Ajuda de Teresópolis

A experiência ecoou além dos muros paroquiais: no início do projeto, Dom Gregório incentivou e foi confirmado pelo atual bispo diocesano, Dom Joel Portella Amado, para que a Missa do Bom Pastor se tornasse referência para toda a diocese e outras regiões. “O que vivemos aqui possa inspirar para que este trabalho seja estendido a toda a diocese. Nossa missão é multiplicar esse serviço até onde Deus quiser”, afirma Franklin. A comunidade está aberta a compartilhar a experiência, oferecendo formação para novas equipes e pastorais.

A atenção aos enfermos e à inclusão social também se estende ao Projeto Teresinha, banco de empréstimo gratuito de cadeiras de rodas, andadores, muletas e outros equipamentos ortopédicos. A inspiração veio de um gesto simples: a solidariedade diante da necessidade de Dona Teresinha, que deu nome ao projeto. “Percebemos que muitas famílias tinham em casa equipamentos sem uso, enquanto outras precisavam e não sabiam onde encontrar. A comunidade virou essa ponte de amor ao próximo.” Atualmente, temos cerca de 300 equipamentos que são emprestados a quem precisa, sem fazer exclusão de ninguém.

A ‘Missa do Bom Pastor’ e o Projeto Teresinha são mais do que um projeto pontual: um testemunho vivo de fé que transborda em obras e transforma a experiência de pertencer à Igreja. Para quem se sente impedido ou distante da comunhão, há sempre uma porta aberta e um coração disposto a acolher, porque, afinal, ninguém é invisível aos olhos do Bom Pastor e como o próprio carisma da comunidade afirma, cada cristão deve ‘Promover o encontro com Cristo dos enfermos do corpo e da alma’.

Leia a seguir a entrevista na íntegra com Franklin Cunha Cardoso:

Rogerio Tosta: Esse trabalho da Missa do Bom Pastor com pessoas com alguma deficiência, principalmente crianças, começou a partir de quê?

Franklin Cunha Cardoso: Então, tudo começou a partir de uma conversa com Dom Gregório. Eu estava acompanhando o carisma da comunidade e, nesse diálogo, ele fez uma brincadeira comigo. Disse que a nossa diocese era muito abençoada, porque não tinha deficientes, não tinha surdos, nem havia autistas. Fiz uma expressão de surpresa, e ele perguntou se eu estava surpreso. Eu respondi que sim, e ele emendou: “Mas eles existem?” E eu disse que sim. Ele então comentou que, apesar de saber que essas pessoas existiam, elas não estavam presentes em nossas paróquias. “Eles são nossos invisíveis, existem, mas não estão nas nossas paróquias.”

Fiquei com isso no coração. Nosso carisma é promover o encontro com Cristo dos enfermos do corpo e da alma. Depois, tomei conhecimento de uma carta de uma mãe, direcionada à Igreja, contando que sempre foi católica e participava da Santa Missa em família, mas, há nove anos, estava impedida de ir à missa porque sua filha autista, com grau 3 de suporte, havia nascido. Tudo isso me tocou profundamente, e comecei a sentir que Deus me perguntava: “Existe encontro maior comigo do que a missa dominical? Por que minha filha não pode se encontrar comigo todos os domingos?” Assim, surgiu em nossos corações o desejo de promover uma missa adaptada, onde essas pessoas pudessem estar, junto às suas crianças, em um espaço seguro, acolhedor, com portas fechadas, um lugar preparado para elas e que não fossem olhadas com discriminação ou intolerância. Se a criança precisasse se desregular durante a missa, não teria problema; poderia se movimentar para ordenação sensorial delas e seu direito de viver a experiência da Igreja seria respeitado. E assim nasceu o projeto.

O fundador da Comunidade Nossa Senhora D’Ajuda, Franklin Cunha Cardoso que ficou incomodado com o questionado sobre a ausência das pessoas com deficiência na missa

Rogerio Tosta: E como foi o início desse projeto da missa?

Franklin Cunha Cardoso: Com esse desejo ardendo em nossos corações, levamos a proposta ao padre Ernande, na época pároco da São Pedro. Explicamos que aquelas pessoas não poderiam mais ser invisíveis e precisavam de um espaço. Ele, muito sensível, apoiou a ideia e sugeriu o horário menos movimentado das missas—que antes era às 11h, depois passou para 10h30.

Convidamos a Valéria, mãe do Lucas, que tem experiência muito grande com autismo e formamos uma equipe, que incluiu também uma musicoterapeuta e terapeutas diversos, e passamos dois meses estruturando a missa: desde fechar as portas para garantir o ambiente controlado, até adaptações no altar, como colocar a vela mais para dentro, não ligar ventiladores, evitar palmas e reduzir alguns cantos. Fomos aprendendo e nos adaptando com o tempo. O projeto já tem dois anos e meio, com missas dominicais continuamente realizadas.

Rogerio Tosta: Mas essa missa é da comunidade e adaptada para os autistas e outras deficiências, ou não?

Franklin Cunha Cardoso: Isso, o projeto nasceu pela inspiração do carisma da Comunidade Católica Nossa Senhora da Ajuda, em parceria com a Paróquia de São Pedro, que acolhe e celebra a missa. Além disso, toda a equipe de apoio e organização é da comunidade: temos tradutores de Libras para surdos, adaptações para cadeirantes—alguns bancos foram modificados para que o cadeirante possa ficar ao lado da família. Seguimos nos adaptando, aprendendo e ajustando. Por exemplo, no verão percebemos que os ventiladores causavam desconforto sensorial a alguns, então passamos a abrir janelas e portas laterais em vez de usar ventiladores. Esse é um processo em constante evolução.

A quarta cadeira de rodas adquirida este ano com a venda dos lacres de latas de refrigerantes que é entregue por meio de empréstimo a quem precisa

Rogerio Tosta: E vocês já pensam em levar essa iniciativa para outras paróquias?

Franklin Cunha Cardoso: Sim! Dom Gregório nos deu essa missão, inclusive gravou um vídeo sobre a missa e falava justamente disso. Dom Joel também comentou que o projeto é precioso demais para ficar restrito a uma só paróquia. A necessidade não é só local, é em toda a diocese, no mundo inteiro. O desejo da comunidade é justamente expandir, partilhar a experiência e fornecer formação para quem precisar.

Rogerio Tosta: Além desse projeto da Missa do Bom Pastor, vocês têm também o projeto de emprestar equipamentos para pessoas com deficiência, como cadeiras de rodas. Como surgiu esse trabalho e como ele funciona?

Franklin Cunha Cardoso: Esse é o Projeto Teresinha. Muitos acham que é em homenagem a Santa Teresinha, mas, na verdade, é por causa da Dona Teresinha, uma intercessora muito querida da paróquia que, após um AVC, precisou de um andador. Ninguém tinha para emprestar, a família não tinha condição de comprar para o breve período de recuperação. Um grupo de amigos comprou o andador, ela usou por dois meses e, infelizmente, veio a falecer. A filha nos devolveu o andador, e Deus começou a incomodar o nosso coração. “Olha, vocês precisaram e não tinham com quem pegar. Agora vocês têm o material e não sabem o que fazer.” Então, pensamos em quantas pessoas têm equipamentos guardados que poderiam ser emprestados para quem precisa. A comunidade se colocou nesse papel de ponte. O padre Ernande disponibilizou sala e secretaria da paróquia para a organização. Lançamos a campanha e a resposta foi surpreendente. As famílias da paróquia e toda a diocese participaram. Com isso, recebemos muito material. Também fizemos a campanha do lacre da tampinha da lata de refrigerante. Temos um barril que fica na entrada da Igreja e a cada dois ou três meses, com o barril de 200 litros cheio de tampinhas, vendemos para reciclagem e compramos cadeiras de rodas e equipamentos. Hoje, temos cerca de 40 cadeiras de rodas, 50 cadeiras de banho, andadores, muletas, botas ortopédicas e outros materiais. Todos são emprestados gratuitamente, bastando um simples cadastro de compromisso de devolução, sem nenhuma restrição quanto à religião de quem procura a comunidade.

Rogerio Tosta: Quando a comunidade surgiu? Quantos membros tem? Qual é o trabalho principal dela?

Franklin Cunha Cardoso: O nome Nossa Senhora D’Ajuda veio de uma revelação durante uma missa em Guapimirim, na Paróquia Nossa Senhora D’Ajuda. Estava visitando a cidade e quando eu estava na missa, Deus falou, e assim já tinha o sonho dele, esse nome. Ele foi muito claro. No dia, o Senhor me deu a palavra fundante da comunidade, Lucas 4, de 38 a 41, que fala da cura da sogra de Pedro—onde Jesus cura e todos que entram na sua casa também são curados. Foram 15 anos de amadurecimento dessa revelação no coração. Tive uma conversa com Dom Gregório, numa visita pastoral dele aqui, na paróquia São Pedro, e ele falou que havia realmente um carisma nascendo e precisava ser acompanhado. Ele começou um acompanhamento conosco, que durou três anos, com audiências com ele e com uma outra comunidade, Tempo Santo. Depois desses três anos de acompanhamento sobre o carisma, com tudo que estava acontecendo, e antes dele sair da diocese, me chamou, afirmando que reconhecia o carisma como autêntico e nos deu autorização de funcionamento na Diocese. O trabalho principal da comunidade é promover o encontro com Cristo dos enfermos do corpo e da alma, seja com projetos como a Missa do Bom Pastor, o Projeto Teresinha ou outras iniciativas.

Rogerio Tosta: Você mencionou que a comunidade tem uma sede. O que é exatamente essa sede?

Franklin Cunha Cardoso: A sede se chama Casa de Simão, em alusão à passagem bíblica ligada ao nosso carisma. É um espaço para acolher e receber pessoas. Adquirimos uma casa com o propósito de ser também uma casa de formação para a paróquia e o decanato, abrigando encontros, retiros e atividades. Ainda não temos alojamento, mas já recebemos eventos de um dia. Estamos construindo a capela de São Padre Pio e temos estrutura para realizar a manutenção dos materiais ortopédicos, como cadeiras de rodas, que muitas vezes precisam de pequenos consertos antes de serem emprestadas.

Rogerio Tosta: E na sua vida pessoal e familiar, o que mudou após você tomar consciência do carisma e da vontade de Deus?

Franklin Cunha Cardoso: Mudou tudo. Percebo hoje que o carisma sempre esteve presente na minha vida, só não tinha consciência plena disso. Após a revelação, tudo mudou: entrega, fé, confiança na providência. Ver a alegria de famílias que conseguem participar plenamente da vida da Igreja nos motiva. Mesmo tendo duas filhas sem deficiências, consegui sentir a dor dessas famílias impedidas de viver a comunidade. Por que uma mãe deveria estar privada da missa, ou o surdo não poderia participar plenamente? Porque às vezes o pai tem que ir num horário, a mãe em outro, porque não há inclusão? Esses questionamentos tocaram profundamente. Ver essas famílias acolhidas na missa, participando juntas, é transformador e dá sentido a todo o trabalho, mesmo sabendo que ainda há muitas outras precisando dessa experiência.

Rogerio Tosta: Para finalizar, deixe uma mensagem.

Franklin Cunha Cardoso: Quero dizer que o carisma está aberto: estamos prontos para dialogar, criar planos e estratégias, compartilhar experiências e formar outros grupos—seja em paróquias, universidades, ou onde houver necessidade. A comunidade existe para a Igreja e para a humanidade, com a missão de promover o encontro de todos com Cristo, especialmente dos enfermos do corpo e da alma.

Celebração na Igreja São Pedro em Teresópolis acolhe pessoas com deficiência e suas famílias

Obrigado por ter lido este artigo. Se quiser se manter atualizado, inscreva no nosso canal do WhatsApp acessando aqui

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *