Falamos anteriormente dos conselhos de Sertillanges para uma boa leitura, que é indispensável ao trabalho intelectual e à produção literária. O primeiro conselho é ler pouco. Vimos também que no Brasil se lê demasiado pouco, e muitas pessoas – quase 50% da nossa população – não lê absolutamente nada. Isso não é virtude, nem motivo de nos orgulhar, mas sim de alerta. De qualquer forma, os conselhos do autor francês são valiosos aos que pretendem ter uma séria vida intelectual.
Sertillanges diz: “nenhum trabalho verdadeiro se espera do grande leitor depois que sobrecarregou os olhos e as meninges; ele está, espiritualmente, em estado de cefalalgia; enquanto o trabalhador sábio, guardando a posse de si mesmo, calmo e leve; não lê mais que aquilo que quer reter, retém apenas o que deve servir, organiza seu cérebro e não o desgasta com um embotamento absurdo”.
É preciso, depois da leitura, “ler no livro da natureza”, respirar ar fresco, relaxar. Depois de um trabalho intenso é preciso “organizar a distração preferida”. Ou seja, é preciso cuidar da mente dando a devida atenção ao corpo, à atividade física. É preciso passear, praticar esportes, escalar montanhas, conversar com amigos e viver ao ar livre. Hoje diríamos: é indispensável viver offline para bem organizar a própria vida e o próprio tempo. Tudo isso é fundamental para a nossa saúde física, psíquica e espiritual.
O trabalhador intelectual deve ainda ater-se ao “corrente”. Nenhum homem que pensa pode ignorar o que se escreve no âmbito da sua especialidade. Mas o “corrente” não pode nos arrastar ou imobilizar. Na vida intelectual, só se avança remando pessoalmente; as correntes não nos levam para onde queremos ir. É preciso fazer o próprio caminho. E a corrente de informações não pode ser tão grande a ponto de impedir a nossa reflexão e silêncio. De forma que não é bom expor-se diariamente a um número muito grande de informações, que não podemos “digerir”.
O ler pouco, segundo Sertillanges, significa reduzir as leituras menos substanciosas e sérias. Diz ele que não podemos nos “envenenar com romances”. Ler um romance deve ser uma concessão, uma forma de descanso, ainda que “a maioria deles abala e pouco serve de descanso, mas agitam e desorientam os pensamentos”.
Ele diz ainda que “é preciso defender-se dos jornais”. É preciso saber o que eles contêm, conscientes de que “eles contêm tão pouco”. Não é necessário, pois, dedicar horas a eles, especialmente as reservadas ao trabalho. Em síntese, ele aconselha: “jamais ler quando podeis recolher-vos; lede unicamente, exceto em momentos de distração, o que tem relação com o objetivo que almejais, e lede pouco, para não devorar o silêncio”.
Recordamos, por fim, um conselho do filósofo romano Sêneca, nas “Epistulae morales ad Lucilium”, no século I d.C, quando parecia que o mundo estava já repleto de livros: “Distringuit librorum multitudo; itaque com legere non possis quantum haberis, satis est habere quantum legas”. Traduzimos essa sentença riquíssima assim: a abundância de livros distrai. Portanto, como não podes ler tudo o que tens; contenta-te com ter tudo o que lês.