Estamos recordando alguns ensinamentos da encíclica de Doutrina Social da Igreja de Bento XVI, Caritas in veritate. Aquele documento, no seu capítulo segundo intitulado “O desenvolvimento humano no nosso tempo”, no seu número 27, trata o problema da fome. Esse é também o tema da Campanha da Fraternidade de 2023: “Cuidar de quem tem fome”. A Campanha tem como lema o mandato de Jesus: “Dai-lhes vós mesmo de comer” (Mt 14,16).
Bento XVI recordava que em muitos países pobres continua havendo – talvez em crescimento – uma insegurança alimentar extrema. A fome ceifa ainda hoje muitas vítimas, muitos “Lázaros”, que morrem próximos à mesa de ricos glutões e avarentos. O papa lembrava que dar de comer aos famintos é um imperativo ético para toda a Igreja.
Além disso, a eliminação da fome deve ser tida como um real objetivo político, essencial para se alcançar a paz e a subsistência da terra. A fome não é fruto de uma escassez de recursos na atualidade, mas é o resultado de uma carência de instituições, de boa vontade por parte dos que possuem responsabilidade governativas no mundo. Falta, hoje em dia, um sistema de instituições econômicas capazes de garantir o acesso regular e adequado à alimentação e à água a boa parte da população mundial e de combater emergências reais provocados pela irresponsabilidade política ou por tragédias naturais.
De fato, foi publicado o relatório “Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo 2022”, pela ONU. Esse texto indica que o número de pessoas afetadas pela fome no mundo subiu para 828 milhões em 2021, afetando 9,8% da população mundial (que atualmente é de pouco mais de 8 bilhões de pessoas). A fome teve uma alta de cerca de 46 milhões em relação a 2020 e de 150 milhões em comparação com o início da pandemia de Covid-19. Outro documento da ONU, de 2021, diz que 931 milhões de toneladas de alimentos, ou seja, 17% do total de alimentos disponíveis aos consumidores em 2019, foram para o lixo. O relatório Índice de Desperdício de Alimentos 2021 está disponível no link: http://bit.ly/UNEP-FWI-report
Na sua Encíclica, de 2009, Bento XVI afirmava: “O problema da insegurança alimentar há-de ser enfrentado numa perspectiva a longo prazo, eliminando as causas estruturais que o provocam e promovendo o desenvolvimento agrícola dos países mais pobres por meio de investimentos em infraestruturas rurais, sistemas de irrigação, transportes, organização dos mercados, formação e difusão de técnicas agrícolas apropriadas, isto é, capazes de utilizar o melhor possível os recursos humanos, naturais e socioeconómicos mais acessíveis a nível local, para garantir a sua manutenção a longo prazo. Tudo isto há de ser realizado, envolvendo as comunidades locais nas opções e nas decisões relativas ao uso da terra cultivável” (n. 27).
Para enfrentar o problema é útil o correto emprego das técnicas de produção agrícola reconhecidas como respeitosas como o meio ambiente e que visem beneficiar as populações locais. “Ao mesmo tempo não deveria ser transcurada a questão de uma equitativa reforma agrária nos países em vias de desenvolvimento”, disse o papa. A encíclica afirma ainda que os direitos à alimentação e à água são essenciais e devem ser respeitados. Sem eles não é possível garantir outros direitos, a começar pelo direito à vida. Por isso, é necessária amadurecer a consciência solidária, de forma que de considere a alimentação e o acesso à água direitos universais de todos os seres humanos.
É essencial afirmar que a solidariedade deve ser um princípio da vida social. Deve-se, portanto, formar projetos de solução para a presente crise econômica (começada em 2008), formando a mentalidade e a ação dos políticos e dos responsáveis pelas instituições internacionais. Nesse sentido, os países pobres devem ser ajudados por planos de financiamento solidários para poder prover às necessidades dos seus cidadãos. Isso geraria riqueza econômica que levaria a sustentar as capacidades produtivas dos países ricos que correm o risco de ficar comprometidas pela atual crise.