A Reflexão sobre a Justiça em De Trinitate: Conhecimento e Amor a Deus

Pe. Anderson Alves

O livro VIII de De Trinitate de Santo Agostinho aprofunda-se na investigação da alma, do movimento e do conhecimento da justiça. Agostinho argumenta que é através da alma que nós nos movemos e percebemos outros seres como animados, com a capacidade de movimento intrínseco. Essa compreensão é adquirida por reflexão interna, ao nos conhecermos e reconhecermos em nós mesmos o princípio do movimento e da vida.

Santo Agostinho questiona como podemos amar e conhecer a justiça se ainda não somos justos. Ele afirma que é possível conhecer a justiça mesmo sem possuí-la, o que nos permite amá-la e desejá-la. Isso é conhecido como a “regra de conhecimento genérico ou específico”. Uma pessoa que não é justa pode reconhecer e amar a justiça em outra pessoa e, por isso, desejar ser justa. O conhecimento e o amor pela justiça precedem sua prática plena. Antes de viver a justiça, é necessário conhecê-la, amá-la e desejá-la.

O conhecimento da justiça não é visual, mas sim uma beleza da alma que reconhecemos internamente. Se reconhecemos a justiça por sinais, isso significa que já sabemos o que é justiça. Portanto, é em nós mesmos que conhecemos o que é ser justo. O método de Agostinho envolve partir das coisas externas para alcançar as internas e, nelas, reconhecer as eternas. Este processo é descrito como externo – interno – eterno.

Agostinho usa exemplos para explicar esse processo. Quando queremos falar de uma cidade como Cartago, temos sua imagem em nossa mente. Da mesma forma, temos uma imagem de Alexandria, cidade que nunca visitamos, em nossa fantasia. Essa imagem é formada a partir dos relatos de muitas pessoas. No entanto, o conhecimento da justiça não se dá por meio de imagens. É uma alma justa que, segundo a ciência e a razão, distribui a cada um o que lhe pertence.

Santo Agostinho define a justiça como uma alma que, “segundo a ciência e a razão, dá a cada um o que é seu na vida e nos costumes” (scientia atque ratione in vita ac moribus sua cuique distribuit). Esse conhecimento é internalizado e aceito por cada indivíduo ao refletir dentro de si. Quando uma pessoa justa concorda com essa definição, ela concorda com algo que já é. Portanto, a noção correta de justiça deve ser contemplada em nós mesmos.

Mesmo uma pessoa não justa pode reconhecer a definição de justiça como válida ao vê-la como uma verdade interior presente na alma. Para se tornar justo, é necessário aderir a essa forma de justiça, amando-a e modelando-se por ela. A forma da justiça está na alma, e o justo a reconhece em si. O injusto, ao reconhecer e amar essa forma, busca se tornar justo.

Agostinho distingue entre scientia e ratione. Scientia é o conhecimento estável e adquirido no tempo, enquanto ratione é a faculdade de obter esse conhecimento, possuída desde o nascimento. A forma da justiça é eterna e garantida pela mente divina. Através da reflexão, o homem reconhece essas formas eternas em si mesmo, superando a visão platônica de que o conhecimento é mera recordação de formas contempladas antes do nascimento.

Para Agostinho, o conhecimento não é recordação, mas reflexão. Ele parte das realidades materiais e externas para refletir sobre elas internamente, reconhecendo o que é eterno. Esse processo, descrito como externo – interno – aeterno, demonstra a complexidade, profundidade e precisão de Agostinho em sua teologia cristã. Ele debate com a filosofia, oferecendo respostas às perguntas levantadas pelos filósofos e integrando a revelação cristã com as verdades filosóficas.

Em última análise, para o doutor de Hipona, amar o próximo é buscar que ele seja justo. Apenas quem é justo ou busca ser justo, por amar a justiça, pode verdadeiramente amar o próximo. Amar a si mesmo implica buscar ser justo, e essa busca é essencial para o entendimento e a prática da justiça.

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