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A Dignidade da Pessoa e a Civilização Ocidental (parte II) – Pe. Anderson Alves

Dissemos que pessoa significa “a substância individual de natureza racional” (Boécio). Em primeiro lugar, essa definição acentua a individualidade. A pessoa é certa substância individual única e incomunicável. Em segundo lugar, a pessoa é marcada pela natureza racional. A inteligência implica relação e abertura ao infinito: ela é capaz de captar o ser em si, de entender a verdade, o bem e a beleza.

O conhecimento é uma reiteração viva de tudo o que é; tudo o que é passa a ter uma existência nova, através da ideia ou do conceito. Tudo o que existe de modo material passa a existir, pela inteligência, de modo espiritual, ou seja, imaterial. A inteligência se torna de certo modo todas as coisas, como afirmava Aristóteles. Segundo Santo Tomás de Aquino, “a intelectualidade é a mais alta perfeição das coisas: por ela um ser é de algum modo tudo e possui em si a perfeição de tudo” (CG, I, c. 44, 5). A inteligência capta a universalidade do ser e as suas relações. Ela percebe tudo de modo unificado e apreende um cosmos ordenado, com finalidades próprias. A razão de ser da inteligência é conhecer essa ordem e a causa última dela.

Com a ciência dos seres reais a pessoa adquire consciência (com-ciência) de si. Assim ela se opõe ao mundo dos objetos e afirma-se como um “sujeito”. A pessoa afirma o seu eu em face do universo. A pessoa, com o desenvolvimento da sua inteligência, conhece com claridade a si mesmo. A perfeição da individualidade, o ser em si e por si, torna-se então a autoafirmação da consciência.

A consciência compreende a individualidade e garante a independência do agir. Assim a pessoa rompe o determinismo das forças cegas do mundo físico e o impulso dos instintos. A inteligência conhece fins altos e meios para se chegar a eles. Ela tem iniciativa e realiza juízos que dirigem a ação (chamados de “juízos práticos”). Nesse ato de julgar sobre a própria ação se funda uma nova autonomia: o domínio dos próprios atos, que nós chamamos de liberdade.

Segundo Santo Tomás, a raiz toda da liberdade está na razão (Totius libertatis radix est in ratione constituta). A liberdade é um princípio ativo superior da inteligência que mobiliza as forças da alma, planeja ações e elabora um ideal de vida. Pela liberdade realizamos ações que rompem com o determinismo da matéria. A liberdade funda a ordem moral e dá à pessoa a consagração suprema da sua dignidade.

Desse modo, subsistência (ou individualidade), inteligência e liberdade são o que constitui a pessoa (são os seus “constitutivos ontológicos”). Pela subsistência, somos semelhantes aos entes racionais e irracionais. Todos eles são indivisos e distintos dos demais. A subsistência da pessoa recebe o nome de “incomunicabilidade”. A pessoa não pode comunicar o seu ser a outros. Isso lhe possibilita ter vida interior, intimidade e certa solidão, uma vez que é impossível comunicar ao outro a própria existência. Por sua vez, essa é a razão da excelência da pessoa: cada pessoa é única e irrepetível, é um valor em si mesmo e um dom aos demais.

A pessoa é assim a maior perfeição do Universo. A pessoa pode conhecer todas as coisas como parte do cosmos, através do seu pensamento. Ao fazê-lo, capta a si mesma pela sua consciência. Assim o cosmos é aperfeiçoado e a pessoa manifesta a sua liberdade. “A pessoa é, em toda a natureza, o que há de mais perfeito” (S. Th., I, q. 29, a. 3). De fato, de todas as naturezas ela é a mais digna. Ela possui subsistência, racionalidade e liberdade. Isso é algo único no universo. O cristianismo e a sã filosofia procuram afirmar e promover a pessoa humana e esses seus aspectos essenciais.

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