A concepção personalista do bem comum – Padre Anderson Alves

Sabe-se que o Papa Leão XIII (papa entre 1878 e 1903) é reconhecido como o iniciador da Doutrina Social da Igreja nos tempos modernos. Em 1891, ele publicou a Encíclica Rerum Novarum, considerada a pedra angular do discurso social da Igreja. Entretanto, há outros textos magisteriais – inclusive de Leão XIII – anteriores àquela famosa Encíclica, que tratam de temas sociais. O Papa Leão XIII viveu nos últimos anos do século XIX e no início do século XX. O século XIX é considerado como época da consolidação da sociedade moderna, surgida com o Renascimento, no século XVI. Foi uma época caracterizada pela prioridade do indivíduo, em oposição à tendência anterior a compreender o homem como membro da sociedade.

Desde Leão XIII, uma série de Encíclicas sociais foi publicada pelos papas. Temos nesse período: Quadragesimo Anno (1931), de Pio XI; Mater et Magistra (1961), de João XXIII; Populorum Progressio (1967), do Papa Paulo VI; de João Paulo II temos as encíclicas Laborem Exercens (1981), Solicitudo Rei Socialis (1987) e Centesimus Annus (1991); Bento XVI publicou Caritas in Veritate (2009); O Papa Francisco publicou Laudato Si (2015), a Exortação Apostólica Pós-Sinodal Querida Amazônia (2020) e a Encíclica Fratelli Tutti (2020).

Sobre a natureza da Doutrina Social, Bento XVI afirmou que ela responde à dinâmica da caridade recebida e oferecida. O papa apresenta a sua função como “proclamação da verdade do amor de Cristo na sociedade” (Caritas in veritate, n. 5). O Papa Francisco explicou a razão pela qual a Igreja expressa sua opinião sobre assuntos que afetam a comunidade mundial num discurso ao corpo diplomático (de 7 de janeiro de 2019): a missão que Jesus dirigiu a São Pedro e seus sucessores leva o Pontífice e a Santa Sé a “a preocupar-se com toda a família humana e suas necessidades, mesmo de ordem material e social”; é certo que “a Santa Sé não procura interferir na vida dos Estados”; porém, ela observa os problemas “que dizem respeito à humanidade, com o propósito sincero e humilde de se colocar ao serviço do bem de todo ser humano” e “trabalhar para promover a construção de sociedades pacíficas e reconciliadas”.

A Doutrina Social da Igreja trabalha com princípios. Há um Compêndio de Doutrina Social da Igreja (publicado em 2006) que apresenta esses princípios: “Os princípios permanentes da doutrina social da Igreja constituem os verdadeiros e próprios gonzos do ensinamento social católico: trata-se do princípio da dignidade da pessoa humana […] no qual todos os demais princípios ou conteúdos da doutrina social da Igreja têm fundamento, do bem comum [que inclui a destinação universal dos bens e o direito à propriedade privada], da subsidiariedade [que inclui o dever da participação] e da solidariedade. Estes princípios, expressões da verdade inteira sobre o homem conhecida através da razão e da fé, promanam do encontro da mensagem evangélica e de suas exigências, resumidas no mandamento supremo do amor com os problemas que emanam da vida da sociedade” (n. 106).

O pensamento social da Igreja parte do princípio personalista, sobre o qual se funda a sua concepção de bem comum. O Compêndio expressa o princípio personalista com as seguintes palavras: “A Igreja vê no homem, em cada homem, a imagem do próprio Deus vivo; imagem que encontra e é chamada a encontrar sempre mais profundamente plena explicação de si no mistério de Cristo, Imagem perfeita de Deus, revelador de Deus ao homem e do homem a si mesmo. A este homem, que recebeu do próprio Deus uma incomparável e inalienável dignidade, a Igreja se volta e lhe rende o serviço mais alto e singular, chamando-o constantemente à sua altíssima vocação, para que dela seja cada vez mais consciente e digno” (n. 105).

De forma que se deve falar de uma concepção personalista do bem comum, a qual afirma que a vida social não seja um mero meio para o homem conseguir o seu fim último, mas ela mesma é um fim e um elemento central do bem de cada homem. Desse modo, a convivência social pacífica faz parte do bem comum e é o critério para o bom governo político. Isso implica a rejeição do fundamentalismo, do anarquismo, do terrorismo, do separatismo e do sectarismo. É, portanto, um critério de inclusão e de participação de todos.

Consequentemente, o princípio personalista do bem comum exige a promoção de todas as formas de participação na vida social, seja dos sujeitos particulares, seja dos corpos intermediários ativos, como protagonistas sociais. A lógica personalista do bem comum permite exigir sacrifícios em vistas do bem comum político da comunidade, que é comum a todos, mas rejeita a possibilidade de sacrificar de modo utilitarista um ser humano para melhorar a soma total dos bens “pela razão fundamental que aquele alguém é sempre uma pessoa humana” (M. Negro, Bene comune e persona, p. 19), com uma dignidade incomensurável e inviolável. Portanto, “o meu bem é que tu realizes o teu bem”, e “o teu bem é que eu realize o meu bem” (G. Chalmeta, Etica sociale. Famiglia, lavoro e società, p. 89). Isso significa que o bem pessoal e o bem comum se implicam e o bem comum não é a mera soma dos bens individuais, como afirma o Utilitarismo.

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