A doutrina eucarística de Santo Tomás de Aquino, rica e detalhada, é profundamente expressa não apenas em seus tratados teológicos, mas também em sua poesia e cânticos. Através de uma linguagem lírica e rigorosa, o Doutor de Aquino desvela a profundidade do mistério eucarístico, integrando teologia, mística e arte de forma singular. Os artigos a seguir têm como base o livro de Inos Biffi, L’Eucaristia in San Tommaso ‘Dottore Eucaristico’: Teologia, mistica e poesia” (2005), e a nossa obra “Entre a Beleza e a Sabedoria: Poesia, Educação e Teologia em Tomás de Aquino”, a ser publicada em 2025.
Santo Tomás de Aquino (c. 1225–1274) é uma figura central na história do pensamento ocidental, reverenciado pela profundidade de sua filosofia e teologia. Sua obra monumental, que inclui a “Suma Teológica” e a “Suma contra os Gentios”, é um testemunho de seu rigor intelectual e sua capacidade de sintetizar complexos sistemas de pensamento. No entanto, a vastidão e o rigor de sua especulação nem sempre permitem abarcar a totalidade de seu gênio. Para além dos tratados sistemáticos, Tomás de Aquino também se expressou por meio da linguagem poética — uma dimensão igualmente relevante de sua produção, que revela não apenas um domínio refinado dos recursos literários, mas também uma beleza que transcende a mera estética (Alves, 2025).
Essa capacidade de unir sabedoria e beleza em sua obra é um dos aspectos mais notáveis de seu legado. Para Tomás, a manifestação do belo e o arrebatamento que pode advir da apreciação de uma obra de arte são experiências estéticas que revelam aspectos da realidade que não devem ser desprezados (Barbieri Pacheco apud Alves, 2025). Ele via pontos de convergência entre filosofia e poesia, divergindo da oposição adotada por muitos filósofos de sua época. O filósofo, para ele — assim como para Aristóteles — é um amante das fábulas, um philomythes, o que o aproxima dos poetas, detentores do saber poético. Ambos se dedicam ao que merece admiração e, portanto, compartilham o mesmo objeto de conhecimento. O foco do estudo filosófico e a inspiração da criação poética convergem no espanto diante da existência, buscando, em última instância, revelar a verdade da vida (Barbieri Pacheco, 2025).
A contribuição de Santo Tomás para a teologia eucarística é tão significativa que ele foi reconhecido por Pio XI como o “Doutor Eucarístico” (Biffi, 2005). Inos Biffi sugere que ele poderia ser “felizmente” definido como o “Místico da Eucaristia”, destacando a intensa piedade e a paixão lírica que acompanhavam sua pesquisa teológica (Biffi, 2005). Para Tomás, a Eucaristia era de uma riqueza inesgotável, o “sacramento da paixão de Cristo”, o “memorial de sua morte”, a “perfeição da vida espiritual e o fim de todos os sacramentos”, e até mesmo o “alimento que diviniza o homem e o inebria de divindade” (Biffi, 2005). Sua contemplação eucarística foi tão intensa que abriu sua veia poética, infundindo “acentos da lírica em um inexcedível e refinado linguagem dogmático”, dando origem a sequências e hinos que ainda hoje são cantados (Biffi, 2005).
A obra de Tomás de Aquino não se limita a expor a doutrina da Igreja; ela a aprofunda e a ilumina, utilizando a filosofia — a metafísica, a lógica, a teoria da linguagem — para exaltar o mistério da fé. Mesmo a discutida “transubstanciação” é tornada “plausível e dizível” por suas análises, que explicam como o pão se torna o Corpo do Senhor e o vinho, seu Sangue, pela “definição de Cristo e a ação do Espírito” (Biffi, 2005).
A vasta influência de Tomás se estende além de seu tempo, e seu legado continua a marcar profundamente a história do pensamento ocidental, auxiliando a Igreja na compreensão e resposta aos desafios contemporâneos. Este conjunto de artigos tem como objetivo explorar essa dimensão poética de sua obra, revelando como a beleza e a sabedoria se entrelaçam para manifestar a doutrina eucarística, um dos pilares de sua devoção e de sua reflexão mais profunda. Ao longo destas páginas, seremos convidados a redescobrir a magnitude de Santo Tomás de Aquino, o teólogo que também foi um poeta e místico da Eucaristia.
