Os princípios da dignidade humana e do bem comum são os fundamentais da Doutrina Social da Igreja. Segundo o estudo de G. Samek Lodovici (La socialità del bene, ETS, 2017, p. 61-66), a dignidade da pessoa afirma que cada pessoa tem um valor incomensurável, que deve ser pessoal e institucionalmente respeitado, defendido e promovido. Isso se funda na natureza substancial e racional de cada pessoa, que a torna capaz de exercitar a liberdade, o amor, o sentido estético e ético, a capacidade de elaborar projetos de longo prazo etc.
A dignidade humana funda-se na sua racionalidade, que é o que homem possui de diverso e superior aos demais entes naturais. Sem isso, o homem não teria autodeterminação, consciência ou capacidade de se relacionar. A dignidade humana é um atributo que indica o seu valor incomensurável, de forma que o homem supera o universo inteiro e o eleva qualitativamente. Como disse Kant: “tem um preço aquilo que no seu lugar pode ser colocado alguma outra cosa de equivalente; por outro lado, o que se eleva sobre qualquer preço, e por isso não tem nada de equivalente, tem uma dignidade” (Fondazione della metafísica dei costumi, Rusconi, 1982, p. 60-61).
É possível distinguir dois níveis de dignidade humana: uma chamada de “ontológica” e outra dita “moral”. A primeira é atribuída ao homem pela sua natureza, que é imutável e universal; a segunda diz respeito ao exercício dos atos livres bons ou maus, que pode, por isso, crescer, diminuir ou desaparecer, de acordo com a escolha pessoal.
Há ainda uma perspectiva natural enriquecida pela visão teísta, ou seja, pela afirmação filosófica ou religiosa da existência de Deus. A partir dessa perspectiva a compreensão do homem se enriquece, pois afirma que o homem existe porque foi individualmente querido por Deus; enquanto imagem de Deus, o homem é chamado a entrar em relação com ele. Por causa dessa dignidade, cada homem é único, não pode ser trocado por outro. Deve ser respeitado em si mesmo e nos seus direitos únicos. Esses direitos devem ser considerados com responsabilidade, pois são irrecusáveis e não podem ser cedidos.
O filósofo Hegel disse que para o cristianismo “o indivíduo como tal possui um valor infinito, e, sendo o objeto e o fim do amor de Deus, é destinado a estabelecer uma relação absoluta com Deus como espírito, e a fazer que esse espírito more nele: ou seja, o homem é em si destinado à suma liberdade” (Enciclopedia delle scienze filosofiche in compendio, Laterza, 1967, p. 442). O homem, portanto, possui um valor intangível, derivado do fato de ser objeto do amor divino e destinado a participar na comunhão com ele.
Santo Tomás de Aquino dizia, sobre a dignidade humana, que cada homem é criado e amado por Deus por ser feito à sua imagem e semelhança (S. Th., I-II, prólogo). O homem é, pois, individualmente destinado à comunhão com Deus. Algo disso tinha sido compreendido por Aristóteles, na Grécia antiga, quando afirmara: “Se, pois, o intelecto em relação ao homem é uma realidade divina, também a atividade segundo o intelecto será divina em relação à vida humana. Mas não se deve aceitar a afirmação dos que aconselham ao homem, porque é homem e mortal, de limitar-se a pensar coisas humanas e mortais; antes, ao contrário, enquanto seja possível, é necessário comportar-se como imortais e fazer de tudo para viver segundo a parte mais nobre que está em nós” (Etica a Nicômaco, 1177b 30-35).
Da dignidade da pessoa humana derivam os demais princípios da Doutrina Social da Igreja, ou seja, o do bem comum, da solidariedade e da subsidiariedade. É o que veremos nos próximos artigos.