Os direitos da pessoa humana, segundo João XXIII – Padre Anderson Alves

Dissemos anteriormente que o ser humano tem valor de pessoa, desde a sua concepção até à sua morte natural. A dignidade da pessoa é algo intrínseco, reconhecido pelo Estado, e não concedido por ele, ou pela sociedade, cultura ou economia. De fato, o Estado existe para a pessoa e não a pessoa para o Estado. Do mesmo modo, a sociedade, a cultura, a economia, o trabalho existem em vistas da pessoa.

No dia 11/04/1963, uma quinta-feira santa durante o Concílio Vaticano II, o papa João XXIII publicou a Encíclica Pacem in terris. O contexto desse documento foi o seguinte: no dia 22/10/62, o presidente Kennedy disse na TV que a União Soviética estava com mísseis em Cuba apontados para os Estados Unidos. E afirmou: “Ordenei às Forças Armadas para que estivessem prontas para qualquer eventualidade”. Seis dias depois, através da Rádio Moscou, o presidente Nikita Kruschev leu uma carta dirigida a Kennedy, na qual falava da decisão de abandonar as armas para “acabar o quanto antes com o conflito que ameaçava a causa da paz”. Sabe-se que o papa foi mediador entre os dois, de modo que se chegou a uma resolução pacífica. Isso convenceu João XXIII da necessidade de escrever uma Encíclica sobre o tema da paz. Nela ele apresentaria de modo sintético a doutrina política que possibilitaria a instauração de uma paz mundial.

A argumentação da Encíclica se desenvolve a partir do princípio de que a pessoa é dotada de direitos e deveres intrínsecos. Para haver uma convivência pacífica, é fundamental aceitar que cada ser humano é pessoa, dotada de inteligência e vontade livres. A pessoa é um sujeito de direitos e de deveres, procedentes da sua natureza. Esses direitos e deveres são universais, invioláveis e inalienáveis. A partir disso o documento afirma uma série de direitos da pessoa:

  1. Direito à existência e a um padrão digno de vida. Engloba o direito à vida, a nascer o filho concebido, à integridade corporal, o qual proíbe as mutilações, as torturas, a esterilização forçada. Além disso, o homem tem direito aos meios necessários para uma vida honesta: a alimentação, o vestuário, o repouso, a assistência sanitária, os serviços indispensáveis em situações específicas, como o desemprego, a doença, a velhice, a viuvez e a invalidez.
  2. Direitos que se referem aos valores morais e culturais: o ser humano tem direito ao respeito de sua dignidade e boa fama. Ele deve desenvolver a própria inteligência e liberdade na busca da verdade e do bem. Por isso tem o direito à liberdade de difundir o próprio pensamento, segundo os limites morais e a promoção do bem comum; tem o direito ao cultivo das artes e das técnicas. Tem ainda direito à informação verídica sobre os acontecimentos públicos, a uma instrução básica, a uma formação técnica e profissional adequadas.
  3. Direito de honrar a Deus segundo os ditames da reta consciência: implica a liberdade de prestar culto a Deus de acordo com a própria consciência, e de professar a religião, privada e publicamente.
  4. Direito de escolher o próprio estado de vida. O homem deve ser livre de constituir família, na base da paridade de direitos e deveres entre homem e mulher, ou seguir a vocação ao sacerdócio ou à vida religiosa. O Estado não pode obrigar alguém a se casar, a “reproduzir” com o fim de gerar “membros” ativos do Estado; não pode limitar o número de filhos por família.
  5. Direitos inerentes ao campo econômico: cabe à pessoa a liberdade de iniciativa na economia e ela tem direito ao trabalho. Deve poder trabalhar em condições tais que não se lhe minem as forças físicas nem se lese a sua integridade moral, ou se comprometa o são desenvolvimento do ser humano ainda em formação.
  6. Direito a remuneração do seu trabalho conforme aos preceitos da justiça; essa remuneração deve ser em proporção dos recursos disponíveis e permitir ao trabalhador e à sua família uma vida condizente com a dignidade humana. Da natureza humana origina-se ainda o direito à propriedade privada e aos bens de produção. O Magistério da Igreja defende que o salário deva ser “familiar”, ou seja, capaz de garantir o sustento da família do trabalhador. É ainda desejável que o salário possibilite certa “poupança” familiar, para casos de imprevistos ou de especial necessidade, tais como a doença, o desemprego, algum acidente ou tragédias naturais.
  7. Direito de reunião e de associação: esse procede da sociabilidade natural da pessoa.
  8. Direito de emigração e de imigração: diz o papa que cada pessoa tem o pleno direito de estabelecer ou mudar domicílio dentro da comunidade política de que é cidadão, e, quando legítimos interesses o aconselhem, deve ser-lhe permitido transferir-se a outras comunidades políticas e nelas domiciliar-se. O fato de ser alguém cidadão de um país não lhe tolhe o fato de ser membro da família humana, que consiste na união de todos os seres humanos entre si.
  9. Direito a legítima tutela dos seus direitos: essa tutela deve ser eficaz, imparcial e dentro das normas objetivas da justiça.

Nos próximos textos falaremos dos deveres da pessoa. Ambos os conceitos, direitos e deveres, só são realmente entendidos quando tratados de modo relacional.

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