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O papel da autoridade política na promoção do bem comum – Padre Anderson Alves

Dissemos anteriormente que a Política pode ser definida como “a ciência do governo da sociedade pelo Estado” (A. Amoroso Lima). O objetivo último da atividade política é o bem comum. Nesse sentido, o Concílio Vaticano II afirmou: “a comunidade política existe em vista do bem comum; nele encontra a sua completa justificação e significado e dele deriva o seu direito natural e próprio. Quanto ao bem comum, ele compreende o conjunto das condições de vida social que permitem aos indivíduos, famílias e associações alcançar mais plena e facilmente a própria perfeição” (GS, n. 74). A Política deve gerar o bem comum de todos, especialmente dos mais frágeis. Por isso, quem trabalha para o Estado deve servir ao bem comum, e não aos seus interesses particulares ou partidários. Além disso, a autoridade pública deve respeitar os direitos fundamentais das pessoas, especialmente o direito à vida e ao exercício pleno da sua liberdade.

Entretanto, na modernidade há pelo menos 4 sentidos de bem comum, conforme as filosofias que os sustentam. Seriam os seguintes:

  1. a) O sentido utilitarista e consequencialista: afirma que o bem da sociedade é o resultado da maximização global dos bens, prescindindo, porém, das pessoas concretas. Para a obtenção desse fim, às vezes se requer o sacrifício de alguns para a máxima multiplicação dos benefícios sociais e a eliminação da maior parte dos danos. Por exemplo, o Utilitarismo pode justificar a exploração econômica de alguns sujeitos para maximizar o rendimento econômico global, como ocorreu com o “colonialismo” europeu dos séculos XIX-XX, que foi um dos fatores que levou à I Guerra mundial (Cfr. M. MacMillan, A primeira guerra mundial: que acabaria com as guerras). O Utilitarismo poderia também justificar experiências científicas letais com algumas pessoas, com o fim de se curar certa doença. Isso implicaria a negação de um bem – a vida de alguns – com o fim de maximizar a possibilidade de cura. Nesse caso, o fim (a cura de alguns) justificaria os meios (a morte de outros).
  2. b) O sentido de bem comum oriundo do Comunismo: afirma que todo bem deve ser comum e não deve haver propriedades privadas (ou poderia haver poucas, nas mãos de pouquíssimos). A origem da propriedade privada, segundo J. Locke, é o trabalho humano aplicado, mediante a sua inteligência, à transformação da terra, modificando-a de forma a ser sua digna morada. K. Marx, que negava o direito à propriedade privada, afirmou que com o trabalho o homem transforma a natureza no seu “corpo inorgânico”. Esse sentido acaba concentrando as riquezas, que antes estavam distribuídas, nas mãos de poucos: dos membros do Estado, do Partido ou dos seus aliados, algo que contradiz à autêntica justiça social. O socialismo se converte assim num capitalismo de Estado.
  3. c) O sentido de bem comum proveniente do Liberalismo: nesse caso, o bem comum da sociedade não é um bem de todos os sujeitos e de cada um, mas a soma dos bens, às vezes contrastantes, dos indivíduos. O bem comum é entendido então de modo individualista: ainda que haja alguns bens comuns, eles são instrumentais, relacionados com o bem último de cada pessoa, que é individual.
  4. d) O bem comum segundo o Personalismo: admite a existência de bens privados e do bem da sociedade, o qual é um bem em comum, e não a mera soma dos bens individuais de cada sujeito do corpo social. São os bens de todos os sujeitos e de cada pessoa. Nessa concepção, o bem do outro é um componente essencial do meu bem. O Personalismo supõe um bem comum instrumental e intermediário (o sistema de transporte, as estradas, o sistema de saúde, o sistema de negócios, o sistema educativo, a administração a justiça, a organização eficaz do Estado etc.) e bens comuns intrínsecos, ou seja, de todas as pessoas. Implica a afirmação de que o homem seja capaz de se preocupar com o bem do outro e trabalhar por ele.

A Doutrina Social da Igreja assume a filosofia personalista, sobre a qual funda a sua concepção de bem comum. O Personalismo afirma que a vida social não é um meio pelo qual cada homem pode conseguir o seu fim último, mas ela mesmo é um fim e elemento central do bem de cada homem. Sendo assim, um elemento essencial do bem comum “é a comunidade mesma como bem”. De modo que a sociabilidade humana é fundamental, é o “conjunto do todo e das partes”, é um “bem compartilhado desde sempre” (F. Botturi), que cada homem e a autoridade política devem respeitar, desenvolver e enriquecer. Portanto, a convivência faz parte do bem comum e isso se torna critério para o bom governo político, e leva à rejeição do fundamentalismo, do anarquismo, do terrorismo, do separatismo, do sectarismo. É assim um critério de inclusão e de participação de todos.

Desse modo, podemos concluir que não é o poder político que institui o bem comum, mas, ao contrário, é o bem comum, unitário e unificante da realidade social, que exige e legitima uma autoridade (auctoritas), um poder em grau de gerir aquele bem comum que é o princípio constitutivo da realidade sociopolítica (F. Botturi, Bene comune: fondamenti e pratiche, p. 12). O bem comum é, portanto, a razão de ser da autoridade política.

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