O Mistério da Santíssima Trindade em Nós!

Dom José Maria Pereira - Bispo Auxiliar da Arquidiocese São Sebastião do Rio de Janeiro

Depois de ter celebrado os mistérios da Salvação, desde o nascimento de Cristo (Natal) até a vinda do Espírito Santo (Pentecostes), a liturgia propõe-nos o mistério central da nossa fé, a fonte de tudo e à qual tudo deve voltar: a Santíssima Trindade. Na próxima quinta – feira, a Igreja celebra Corpus Christi; e, finalmente, na sexta – feira sucessiva, a festa do Sagrado Coração de Jesus. Cada uma, dessas celebrações litúrgicas, evidencia uma perspectiva a partir da qual se abrange todo o Mistério da fé cristã: ou seja, respectivamente, a realidade de Deus Uno e Trino, o Sacramento da Eucaristia e o centro divino-humano da Pessoa de Cristo. Na verdade, são aspectos do Único Mistério da Salvação, que, num certo sentido, resumem todo o itinerário da Revelação de Jesus, da Encarnação à Morte e Ressurreição até à Ascensão e ao Dom do Espírito Santo. A mente e a linguagem humanas são inapropriadas para explicar a relação existente entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo, e, contudo, os Padres da Igreja procuraram explicar o Mistério de Deus Uno e Trino, vivendo-o na própria existência com fé profunda.

De fato, a Trindade divina começa a habitar em nós, no dia do Batismo: “Eu te batizo – diz o ministro – em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”. O nome de Deus, no qual fomos batizados, recordamo-lo todas as vezes que fazemos, em nós mesmos, o Sinal da Cruz. O teólogo Romano Guardini, a propósito do sinal da cruz, observa: “Fazemo-lo antes da oração, para que… nos ponha espiritualmente em ordem; concentre em Deus pensamentos, coração e vontade; depois a oração, para que permaneça em nós o que Deus nos doou… Ele abraça todo o ser, corpo e alma,… e tudo se torna consagrado em nome do Deus Uno e Trino”.

Santo Agostinho afirmou que é difícil encontrar uma pessoa que, falando da Trindade, saiba do que esteja falando (Confissões XIII,II). Trata-se de uma tarefa – como foi revelado em sonho a Santo Agostinho – não menos impossível do que aquela de uma criança que tenta esvaziar o mar, usando uma concha.

Toda a vida da Igreja está impregnada pelo Mistério da Santíssima Trindade. E quando falamos, aqui, de mistério, não pensemos no incompreensível, mas, na realidade mais profunda que atinge o núcleo do nosso ser e do nosso agir.

A revelação da Trindade é, portanto, uma cascata de amor: é o gesto supremo da condescendência divina para com o homem. Os gregos diziam: “ Nenhum Deus pode se misturar com o homem” (Platão). Nosso Deus, em vez disso, misturou-se com o homem; tramou sua vida com a do homem, preparando-o para a comunhão eterna com Ele.

Mas, é Cristo quem nos revela a intimidade do mistério trinitário e o convite para que participemos dele. “Ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mt 11, 27). Ele nos revelou também a existência do Espírito Santo, junto com o Pai, e enviou-o à Igreja para que a santificasse até o fim dos tempos; e revelou-nos a perfeitíssima Unidade de vida entre as Pessoas divinas (Jo16, 12-15).

Quem encontra Cristo e estabelece com Ele um relacionamento de amizade, acolhe a própria Comunhão trinitária na sua alma, segundo a Promessa de Jesus aos discípulos: “Se alguém me ama, guardará a minha Palavra; meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada”(Jo 14,23).

O Mistério da Santíssima Trindade é o ponto de partida de toda a verdade revelada e a fonte de que procede a vida sobrenatural e para a qual nos encaminhamos: somos filhos do Pai, irmãos e coerdeiros do Filho, santificados, continuamente, pelo Espírito Santo, para assemelharmo-nos, cada vez mais, a Cristo.

Por ser o mistério central da vida da Igreja, a Santíssima Trindade é, continuamente, invocada em toda a liturgia. Fomos batizados em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo; em seu nome, perdoam-se os pecados; ao começarmos e, ao terminarmos muitas orações, dirigimo-nos ao Pai, por mediação de Jesus Cristo, na unidade do Espírito Santo. Muitas vezes ao longo do dia, nós, os cristãos, repetimos: Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo.

Três Pessoas que são um só Deus, porque o Pai é amor, o Filho é amor, e o Espírito Santo é amor. Deus é tudo, e somente amor, amor puríssimo, infinito e eterno. Não vive numa solidão maravilhosa, mas é, sobretudo, fonte inesgotável de vida que se doa e se comunica incessantemente.

Meditando sobre a Trindade, dizia S. Josemaria Escrivá: “Deus é o meu Pai! Se meditares nisto, não sairás dessa consoladora consideração. Jesus é meu Amigo íntimo! (outra descoberta), que me ama com toda a divina loucura do seu Coração.

O Espírito Santo é meu Consolador!, que me guia nos passos de todo o meu caminho. Pensa bem, nisso. Tu és de Deus…, e Deus é teu” (Forja, nº2). Desde que o homem é chamado a participar da própria vida divina, pela graça recebida no Batismo, está destinado a participar, cada vez mais, dessa Vida. É um caminho que é preciso percorrer, continuamente.

A Santíssima Trindade habita na nossa alma como num templo. E São Paulo faz-nos saber que o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado (Cf. Rm 5, 5). E aí, na intimidade da alma, temos de nos acostumar a relacionar-nos com Deus Pai, com Deus Filho e com Deus Espírito Santo. Dizia Santa Catarina de Sena: “Vós, Trindade eterna, sois mar profundo, no qual quanto mais penetro, mais descubro, e quanto mais descubro, mais vos procuro.”

Imensa é a alegria por termos a presença da Santíssima Trindade na nossa alma! Essa alegria é destinada a todo cristão, chamado à santidade no meio dos seus afazeres profissionais e que deseja amar a Deus com todo o seu ser; se bem que, como diz Santa Teresa, “há muitas almas que permanecem rodando o castelo (da alma), no lugar onde montam guarda as sentinelas, e nada se lhes dá de penetrar nele. Não sabem o que existe em tão preciosa mansão, nem quem mora dentro dela”. Nessa “preciosa mansão”, na alma que resplandece pela graça, está Deus conosco: o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

Desde pequenos, aprendemos, de nossos pais, a fazer o sinal da cruz e a chamar a Deus: de Pai, Filho e Espírito Santo.

Assim, com toda a naturalidade, estávamos invocando o mistério mais profundo de nossa fé e da vida cristã: Santíssima Trindade que hoje celebramos.

Só Cristo nos revelou claramente essa verdade: Fala constantemente do Pai: Quando Felipe disse: “Mostra-nos o Pai…”, Jesus respondeu: “Felipe… quem me viu, viu o Pai” (Jo 14,8).

Jesus promete o Espírito Santo: “Quando vier o Espírito da Verdade, ele vos conduzirá à plena Verdade”.

Quando se despede, no dia da Ascensão, afirma: “Ide… e batizai em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28,19).

A contemplação e o louvor à Santíssima Trindade são a substância da nossa vida sobrenatural, e esse é, também, o nosso fim: porque no Céu, junto de Nossa Senhora – Filha de Deus Pai, Mãe de Deus Filho, Esposa de Deus Espírito Santo: mais do que Ela, só Deus –, a nossa felicidade e o nosso júbilo serão um louvor eterno ao Pai, pelo Filho, no Espírito Santo. Estes vieram em nós, no Batismo. Estabeleceram, em nós, sua habitação e nos são mais íntimos do que nós mesmos, diz Santo Agostinho. Em seu nome, e no diálogo com eles, desenvolve-se toda a nossa vida de fé, desde o berço, até o túmulo. No limiar da existência, fomos batizados “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. No ocaso dela, partiremos, deste mundo, ainda, “em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.

Cremos no Espírito Santo, que nos infunde a graça para fazer-nos participar da vida divina. Deus que ama ao ponto de, continuamente, inspirar, mover, iluminar e santificar.

O amor de Deus pede uma resposta, e esta tem que ser livre. Se não for livre, não é amor. Ele deseja ser amado, mas é possível ser rechaçado. O amor é exigente, mas não pode ser exigido. Deus ama muito a sério o ser humano, já que leva tão a sério o amor ou o desamor de cada um.

Amor ou desamor, céu ou inferno, glória ou condenação, Deus acolhido ou rechaçado, objeto de uma livre escolha por parte do ser humano. E cada ser humano escolhe livremente. O Espírito Santo inspira e ilumina, porém não obriga. Pela liberdade, podemos conhecer, amar e servir a Nosso Senhor, e, assim, ganhar a vida eterna.

A Oração (Coleta) da Missa da Solenidade da Santíssima Trindade expressa a riqueza do que estamos celebrando: “Deus, nosso Pai, enviando ao mundo a Palavra da verdade e o Espírito santificador, revelastes o vosso admirável mistério. Concedei-nos, na profissão da verdadeira fé, reconhecer a glória da Trindade e adorar a Unidade na sua onipotência.”

Fazendo o sinal da Cruz, declaramos, a cada vez, nossa vontade de pertencer à Trindade.

Celebremos a Solenidade de hoje, dirigindo nossa oração ao Pai, por meio do Filho, na unidade do Espírito Santo.

Entre todas as criaturas, a obra-prima da Santíssima Trindade é a Virgem Maria: no seu coração humilde e repleto de fé, Deus preparou para Si uma morada digna, para completar o Mistério da Salvação. O Amor divino encontrou nela uma correspondência perfeita e foi no seu seio que o Filho Unigênito se fez homem. Dirijamo-nos, com confiança filial, à Maria, para que, com a sua ajuda, possamos progredir no amor e fazer da nossa vida um cântico de louvor ao Pai, por meio do Filho no Espírito Santo.

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