Dissemos anteriormente que a Igreja assume a concepção personalista do bem comum. Isso implica afirmar que o bem comum “não é nem o bem do todo como se esse prescindisse daquele das pessoas que o compõem (segundo a visão totalitária), nem é a soma dos bens-interesses das pessoas singulares (segundo a visão liberal clássica)” (F. Botturi, Bene comune. Fondamenti e pratiche, p. 29.). O bem comum está relacionado com o desenvolvimento integral do homem e afeta a todos os membros de uma sociedade. Ele contribui para o desenvolvimento “do homem todo e de todos os homens” (P. Paulo VI, Populorum Progressio, n. 42). Não é o mesmo que o interesse comum ou a opinião pública. Vale lembrar que na era das mídias, é frequente que a “opinião pública” não coincida com a “opinião publicada”.
O bem comum diz respeito às condições externas da vida social na medida em que contribuem para o desenvolvimento do homem. Ele foi definido pela Doutrina Social da Igreja como “o conjunto das condições sociais que permitem, tanto aos grupos como a cada um dos seus membros, atingir a sua perfeição, do modo mais completo e adequado” (Gaudium et Spes, n. 26). Ele interessa à vida de todos, ainda que na prática nem todos participem em alguns bens nele incluídos (em todos os serviços educativos, sanitários, de transporte, de lazer etc.). São bens para toda a comunidade, pois “em conformidade com a natureza social do homem, o bem de cada um está necessariamente relacionado com o bem comum” (Catecismo da Igreja Católica, n. 1905).
O bem comum possui ainda uma dimensão teologal, porque a plenitude do homem é a vida com Deus, e Ele é o bem comum transcendente a todos os homens. Como consequência, o Estado a-confessional e a liberdade religiosa não implicam a ignorância do fenômeno religioso, nem pode ter por objetivo dificultar a prática religiosa. O Estado não pode exigir que a religião fique confinada no âmbito das consciências individuais, sem uma expressão pública. A concepção de bem comum que elimine a Deus da sociedade é uma falsidade. “Certamente o homem pode organizar a terra sem Deus, mas ao fim e ao cabo, sem Deus não a pode organizar senão contra os homens”, disse Paulo VI, citando Henri de Lubac (Encíclica Populorum Progressio, n. 42). O laicismo procura retirar Deus e o influxo religioso da vida social das pessoas, especialmente das políticas de família e educação. Ao fazê-lo, volta-se contra o próprio homem e a sociedade.
O conteúdo autêntico do bem comum pode ser expresso nos seguintes pontos:
- O respeito pela pessoa e por seus direitos invioláveis: isso implica o exercício das liberdades e dos direitos naturais da pessoa humana, entre eles, “o direito de agir segundo a reta norma da sua consciência, o direito à salvaguarda da sua vida privada e à justa liberdade, mesmo em matéria religiosa” (Gaudium et Spes, n. 26).
- O bem-estar social e o progresso da sociedade, pois o pregresso é o resumo de todos os deveres sociais.
- A paz, entendida como a estabilidade e a segurança de uma ordem justa. Supõe que o Estado garanta a segurança da sociedade e dos seus membros por meios honestos. O bem comum é a base do direito à legítima defesa, pessoal e coletiva.
O bem comum está voltado ao progresso de todos e necessita ser promovido por todos. Isso exige a prudência, especialmente de quem exerce a autoridade pública. Com efeito, a autoridade deve julgar, em nome do bem comum, entre os diversos interesses particulares em conflito. Ao fazê-lo, deve tornar acessível a cada um o que é necessário para uma vida humana justa: alimento, vestuário, saúde, trabalho, educação, cultura, informação conveniente, direito de constituir uma família etc. (Catecismo da Igreja Católica, n. 1908). Percebe-se aqui como as virtudes pessoais são essenciais para a promoção do autêntico bem comum.
Portanto, pode-se dizer, pois, que o conteúdo do bem comum implica: “todos os bens, materiais, funcionais, institucionais, culturais, morais e espirituais, que são necessários à manutenção e ao desenvolvimento completivo de uma pessoa humana enquanto ser social” (F. Botturi, Bene comune: fondamenti e pratiche, p. 30). Sendo assim, não é o poder político que funda o bem comum, mas, ao contrário, é o bem comum unitário da realidade social que exige e legitima a autoridade política, para que possa administrar o bem que é o princípio constitutivo da realidade sociopolítica. O bem comum é, portanto, a razão de ser da autoridade política. A autoridade política deve servir ao bem comum e não se servir do bem da sociedade. Isso deixaria de ser serviço e se tornaria corrupção e peculato (roubo dos bens públicos).