Dissemos que a lentidão e a repetição são essenciais ao aprendizado humano. Nosso cérebro possui um ritmo e a lentidão é o segredo para o seu grande desenvolvimento, na história da evolução e na nossa vida pessoal. O segredo da inteligência humana está no “truque da natureza”: ter tido um desenvolvimento e etapas de crescimento mais lentas em relação às outras espécies vivas. Isso explica a enorme plasticidade da nossa mente, que a torna capaz de maravilhosas e variadas operações (G. Cucci, Internet e Cultura, 2016; L. Maffei, Elogio da Lentidão, 2018).
Aprender e conhecer requer tempo, gradualidade e paixão. Especialmente importante é o diálogo afetuoso em voz alta. Assim a nossa atenção, que é seletiva, se concentra sobre os diversos sentidos e os memoriza. Por outro lado, o passar com pressa de um detalhe a outro, de um vídeo ou de um texto curto a outro, não possibilita a memorização e o aprendizado. Plínio o Jovem apresentava um princípio pedagógico, assumido posteriormente por Santo Inácio, que diz: “non multa sed multum”. Devemos aprender não muitas coisas, mas poucas com profundidade. Para Santo Inácio “não é o saber que sacia e satisfaz a alma, mas o sentir e o saborear as coisas profundamente” (Exercícios espirituais, n. 2).
A lentidão e a repetição, unidas ao afeto, são essenciais à leitura, à memorização e à escrita. A escrita lenta, meditada, ponderada gerou as obras primas da literatura universal. Os grandes escritores relatam ser essencial a lentidão e a reelaboração dos seus textos. O escritor russo Vladimir Nabokov, por exemplo, afirmou: “Sempre fui um péssimo falante. Para mim a eloquência espontânea é um milagre. Reescrevi – frequentemente muitas vezes – cada palavra que publiquei. Os meus lápis duram muito mais do que as minhas borrachas” (Intransigenze, 1994). No posfácio de “Lolita”, ele diz ter trabalhado um mês inteiro para “limar” uma única frase (1959).
Lentidão e repetição paciente eram fundamentais para Liev Tolstói. Ele trabalhou na sua grande obra “Guerra e paz” por dez anos, a partir de um romance que não foi terminado. Quando o texto parecia pronto para ser publicado, ele o refez totalmente. O início da obra teve quatorze diferentes redações e a sua esposa recopiou o romance inteiro sete vezes. O resultado é a obra prima que conhecemos (V. Sklovskij, Osservazioni su Guerra e pace, 1990).
O escritor austríaco S. Zweig, que passou os seus últimos dias em Petrópolis, procurou expor as razões do seu anterior sucesso: “Essa aversão a tudo o que é prolixo e a tudo que é largo fôlego, necessariamente teve que se transmitir da leitura de obras alheias à elaboração de minhas próprias e educar-me para um cuidado especial. Escrevo com facilidade e fluência, e na primeira redação de uma obra deixo a pena ir correndo e vou dizendo o que me ocorre à mente”.
Para ele, a primeira redação de um livro é apenas o começo do seu trabalho: “apenas a primeira redação de um livro está passada a limpo, começa para mim o verdadeiro trabalho, o de condensar e compor, trabalho em que depois de cada correção ainda acho que o que fiz foi pouco. É um incessante lançar lastro ao mar, um constante condensar e clarificar da obra; ao passo que a maioria dos outros escritores não podem resolver-se a silenciar alguma coisa que sabem, e com certa paixão em cada linha bem sucedida querem mostrar conhecimentos mais amplos e mais profundos do que verdadeiramente são seus, a minha ambição é sempre saber mais do que aquilo que apresento nas obras. Esse processo da condensação e, com isso, de dramatização repete-se depois uma, duas e três vezes nas provas tipográficas. Encontrar ainda uma frase ou apenas uma palavra cuja retirada não diminui a precisão e aumenta o interesse do leitor, torna-se afinal uma espécie de caça agradável. No meu trabalho, o de eliminar é verdadeiramente o que maior prazer me dá. […] A velocidade arrebatadora de meus livros, que às vezes é elogiada, não se origina absolutamente de uma impetuosidade natural ou de um estado de excitação, mas sim do método sistemático da constante eliminação de todas as pausas e ruídos acessórios supérfluos, e, se conheço em mim uma espécie de arte, é a de poder renunciar, pois não lastimo quando de mil páginas escritas oitocentas vão para a cesta de papéis e só ficam duzentas que representam a essência”.
Lentidão, repetição e paixão são, pois, essenciais ao aprendizado, à memorização, à escrita e ao conhecimento do mundo e de si mesmo.