Para compreender a profundidade da obra poética e teológica de Santo Tomás de Aquino, é essencial situá-la no contexto do latim medieval, uma língua que, longe de ser estática, era viva, funcional e moldada pela influência transformadora do Cristianismo. O latim clássico, preservado e cultivado nas escolas monásticas e leigas sob a influência greco-romana, foi revitalizado pela Igreja através da tradução das Escrituras para a Vulgata. Essa revitalização não foi meramente linguística, mas também conceitual, pois o Cristianismo introduziu ao latim um rico conjunto de conceitos hebraicos e gregos, que se tornaram ferramentas indispensáveis para a especulação teológica (Alves, 2025).
No século XIII, o latim consolidou-se como a língua internacional das universidades e dos textos acadêmicos, desempenhando um papel crucial na formação das línguas neolatinas e germânicas (Alves, 2025). Santo Tomás de Aquino, então, demonstrou um profundo conhecimento não apenas da cultura clássica, mas também da poesia popular medieval, como a provençal, incorporando sua cadência rítmica e padrões de rima em suas composições (Barbieri Pacheco, 2025). Essa capacidade de dialogar com múltiplas fontes e estilos é um reflexo de sua erudição e de sua abertura para todas as formas de expressão da verdade.
A poesia, na visão de Santo Tomás, não é um elemento secundário em relação à filosofia ou à teologia. Pelo contrário, ela é uma forma de expressão capaz de revelar aspectos da realidade e do transcendente de maneira única (Barbieri Pacheco, 2025). Como Nina Barbieri destaca, a literatura, por meio do “desvio da linguagem e da sensibilidade interpretativa”, pode alcançar dimensões da verdade que a filosofia, pela sua natureza analítica, não consegue (2025). Assim, a linguagem poética oferece aos filósofos uma nova visão do mundo e da existência humana, sensibilizando-os em sua busca pela verdade. O olhar poético pode inspirar a filosofia, e a linguagem metafórica pode servir como ponte para a teorização filosófica.
A fusão de teologia, filosofia e literatura na obra poética de Tomás é notável. Seus hinos e sequências eucarísticas são exemplos brilhantes dessa síntese, na qual a precisão da linguagem teológica se encontra com a emoção lírica e a paixão mística. A fé (“fides”), como diria Santo Ambrósio, torna-se “canora” (canto) (Biffi, 2005; Alves, 2025). Tomás traduz conceitos complexos em expressões acessíveis, sem perder profundidade, utilizando figuras de linguagem como aliterações e repetições para enfatizar conceitos teológicos profundos e conectar diferentes aspectos da verdade (Barbieri Pacheco, 2025).
Essa abordagem não apenas enriquecia a liturgia, mas também demonstrava a convicção de Tomás de que a beleza e a arte podiam ser veículos poderosos para a compreensão e a contemplação dos mistérios divinos. A poesia de Santo Tomás, portanto, não é meramente um adorno, mas uma ferramenta teológica e espiritual que nos convida a uma “intensa e apaixonada contemplação” do mistério eucarístico (Biffi, 2005). Ao estudar sua poesia, mergulhamos em um universo onde a sabedoria da fé e a beleza da expressão se unem para revelar as verdades mais profundas da vida cristã.






