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Justiça e Caridade na Vida Social: a Economia – Pe. Anderson Alves

Em 1985 J. Ratzinger publicou “Economia, mercado e ética”. Nessa obra, advertia a possibilidade de uma crise econômica no Ocidente. Ele percebia a raiz do problema: a ausência da ética na economia contemporânea. Ele pedia então uma nova ética, “nascida e sustentada somente por fortes convicções religiosas”. Sem isso, poderia ocorrer que “as leis do mercado se desmoronassem”. Uma economia sem ética se tornaria assim antieconômica. E dizia: “Ainda que a economia de mercado consista no situar o indivíduo diante de uma determinada série de regras, esta não pode converter o homem em algo supérfluo, ou excluir a sua liberdade moral do mundo da economia […]. Estes valores espirituais são, por si, um fator decisivo para a economia: as regras do mercado funcionam só quando se dá o consenso moral que as sustenta” (Cf. C. Anderson, “Joseph Ratzinger predijo la actual crisis económica”, Zenit, 21/06/2009). De fato, a economia é uma atividade humana e, como tal, está submetida às regras da ética.

O papa percebia que os fundamentos da economia moderna, tais como a confiança, o trabalho, o esforço, são virtudes humanas e não princípios econômicos. São bens fundamentais que a economia e o Estado modernos não são capazes de garantir. Isso seria uma espécie de comprovação do chamado “Diktum de Bockënforde”, pronunciado em 1967 por aquele renomado jurista alemão: o Estado constitucional e liberal vive de pressupostos que ele mesmo não pode garantir.

Em 2008 estourou a crise econômica na Europa e nos EUA e Caritas in veritate foi publicada no ano seguinte. O que Ratzinger temia que pudesse ocorrer tornara-se realidade. Ele comunicou então a sua palavra, em busca de soluções. Na encíclica ele falava da “lógica da caridade na economia”, ou seja, “de uma lógica do dom” que não exclui a justiça nas questões econômicas. Segundo ele, a economia moderna não superará a crise atual enquanto não entender que deve dar espaço ao princípio da gratuidade como expressão da fraternidade universal.

“Enquanto dom recebido por todos, a caridade na verdade é uma força que constitui a comunidade, unifica os homens segundo modalidades que não conhecem barreiras nem confins. A comunidade dos homens pode ser constituída por nós mesmos; mas, com as nossas simples forças, nunca poderá ser uma comunidade plenamente fraterna nem alargada para além de qualquer fronteira, ou seja, não poderá tornar-se uma comunidade verdadeiramente universal: a unidade do gênero humano, uma comunhão fraterna para além de qualquer divisão, nasce da convocação da palavra de Deus-Amor. Ao enfrentar esta questão decisiva, devemos especificar, por um lado, que a lógica do dom não exclui a justiça nem se justapõe a ela num segundo tempo e de fora; e, por outro, que o desenvolvimento econômico, social e político precisa, se quiser ser autenticamente humano, de dar espaço ao princípio da gratuidade como expressão de fraternidade” (Caritas in veritare, n. 34).

A economia e o mercado necessitam do princípio da gratuidade e das virtudes humanas, que por si só eles não são capazes de garantir. Bento XVI dizia ainda:

“O mercado, se houver confiança recíproca e generalizada, é a instituição econômica que permite o encontro entre as pessoas, na sua dimensão de operadores econômicos que usam o contrato como regra das suas relações e que trocam bens e serviços entre si fungíveis, para satisfazer as suas carências e desejos. […] De fato, deixado unicamente ao princípio da equivalência de valor dos bens trocados, o mercado não consegue gerar a coesão social de que necessita para bem funcionar. Sem formas internas de solidariedade e de confiança recíproca, o mercado não pode cumprir plenamente a própria função econômica. E, hoje, foi precisamente esta confiança que veio a faltar; e a perda da confiança é uma perda grave” (35).

Sem gratuidade, sem solidariedade e confiança o mercado não pode atualmente cumprir a sua função econômica. Como consequência disso temos a seguinte afirmação: “Há que considerar errada a visão de quantos pensam que a economia de mercado tenha estruturalmente necessidade duma certa quota de pobreza e subdesenvolvimento para poder funcionar do melhor modo. O mercado tem interesse em promover emancipação, mas, para o fazer verdadeiramente, não pode contar apenas consigo mesmo, porque não é capaz de produzir por si aquilo que está para além das suas possibilidades; tem de haurir energias morais de outros sujeitos, que sejam capazes de as gerar” (35). De forma que “a atividade econômica não pode resolver todos os problemas sociais através da simples extensão da lógica mercantil. Esta há-de ter como finalidade a prossecução do bem comum, do qual se deve ocupar também e sobretudo a comunidade política” (36).

A encíclica de Bento XVI foi muito bem recebida na Europa e nos EUA quando foi publicada. Merece ser redescoberta e reproposta na atualidade, quando a vida social e econômica parece prescindir totalmente da sua união com a ética e o interesse pelo bem comum.

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