O “mestre João de Ávila” (1499-1569) foi um sacerdote espanhol, contemporâneo de São Thomas More, Lutero, Erasmo de Rotterdam e Calvino. Participou ativamente na reforma da Igreja promovida pelo Concílio de Trento. Foi canonizado em 1970 e declarado doutor da Igreja em 2012, por Bento XVI. João de Ávila foi amigo e conselheiro de grandes santos, como Ignácio de Loyola, Teresa de Jesus e Pedro de Alcântara. Nesse Natal, elaboramos uma condensação de um sermão de Natal seu, publicado pela primeira vez em 1596 e recolhido no livro O mistério do Natal, da Editora Quadrante (1998). O sermão fala do sinal de Deus aos pastores:
“Isto vos servirá de sinal: achareis um recém-nascido envolto em panos e deitado numa manjedoura” (Lc 2, 12). Esse é o grande sinal que Deus deu aos pastores, que simbolizam os homens de boa vontade. Esse é o sinal do nascimento do Cristo Salvador, do Messias de Israel. Para grandes acontecimentos, são necessários grandes sinais. Esses são os sinais do Salvador: um menino envolto em panos e colocado numa manjedoura. São sinais que precisam da fé para serem reconhecidos. A fé é um dom do alto, que vem de Deus. Por isso apareceram os anjos para indicar o sinal de Deus. O sinal é um recém-nascido que não fala. Ele era a Palavra, a Palavra que estava junto de Deus no princípio: a palavra que era Deus (Jo 1, 1). O sinal é Deus envolto em paninhos. A presença de Deus enche o céu e a terra (Jer. 23, 24). Agora o Criador do céu e da terra está envolto em paninhos e deitado numa manjedoura.
“E se revelará a glória do Senhor e se descobrirá a honra de Deus” (Is. 40, 5), disse Isaias a respeito desse Menino. A honra de Deus está no seu Filho, Jesus Cristo, que nasce hoje em Belém. Os homens esperavam um sinal grande e encontram um menino envolto em panos, chorando numa manjedoura, com um boi e um asno ao seu lado. Aí está a majestade e a honra de Deus. Nesse menino que não fala, Deus diz tudo.
No nosso mundo, os que querem ser honrados como grandes, o fazem às custas dos pequenos. Os que querem ser temidos, assustam os que não tem forças. No AT Deus falou com força, porque queria ser temido e se vingava. Deus falava duramente ao seu povo. Assim o fez no Sinai e o povo pediu a Moises: “fala-nos tu mesmo, e te ouviremos; mas não fale Deus, para que não morramos” (Ex 20, 19). A arca da Aliança causava terror no povo, assim como a sua Palavra. Agora Deus revela a sua glória, a sua força nesse Menino. E o faz com suavidade, pois não quer ser temido, mas amado. “Apareceu a benignidade e a humanidade de Deus, nosso Salvador” (Tit 3, 4). “Humanidade” aqui significa mansidão. Apareceu hoje a mansidão de Deus Pai e do seu Filho Jesus Cristo e do Espírito Santo; apareceu a carne de Cristo na Terra. Apareceu hoje a honra de Deus: uma honra misericordiosa e mansa, inclinada ao perdão. O menino hoje não fala para chamar os pecadores a si, para os assustar ou repreender. Ele é mudo e revela a misericórdia de Deus. Nele está a luz do Natal; nesse corpo pequeno está a presença da Divindade feita mansidão.
São João de Avila diz: “Irmãos, como por fora vedes a Humanidade, em virtude da santa Encarnação de Jesus Cristo e da sua Paixão, assim também deveis ver por dentro a Divindade. Esta é a Divindade que, sem armas, diz: ‘não te farei mal, pecador, aproxima-te de mim. Do mesmo modo que não deves fugir de uma criança, também não deves fugir da minha Divindade. E como no meu corpo vês mansidão, igualmente deves vê-la na minha Divindade’. Esta é a grandeza de Deus: tal como aparece externamente, assim é interiormente, tão manso e tão misericordioso. Bendito seja esse Deus e bendita a sua misericórdia que a este dia nos deixou chegar, o dia da mansidão e da misericórdia de Deus!”
Um menino envolto em panos. Sendo Deus, não há quem o possa envolver, mas, como menino, está envolto em panos, pois a Virgem Maria foi cuidadosa para vestir o seu filho, ainda que pobremente. O Filho de Deus está envolvido hoje em pobres paninhos. Muitos se vestem elegantemente hoje. Mas as roupas que vestimos são sinais da nossa miséria. Nós nos vestimos porque pecamos. Antes do pecado, Adão estava nu e não se envergonhava disso. Depois de pecar seus olhos se abriram e ele se envergonhou e se vestiu. As roupas foi o sinal de desonra.
O estar envolto em paninhos é sinal do homem pecador; estar na manjedoura, sentido frio e chorando é sinal de pecador; porque pelo pecado vieram os sofrimentos e os incômodos ao mundo. Jesus tornou uma carne semelhante à dos pecadores. O estar vestido, o sentir frio, o chorar, o cansar-se, o ter fome e sede é sinal da identificação de Cristo com os homens. Se não houvesse pecado, não teria sofrimentos no mundo. Jesus tomou a carne de pecador, sem ser pecador.
Cristo é homem, parece pecador, mas não o é. No AT temos a figura da serpente de bronze que Deus mandou Moisés construir; quem tivesse sido picado por serpente e olhasse para ela não morreria. A serpente de bronze era uma serpente, mas não tinha veneno no seu interior. Jesus no presépio é semelhante àquela serpente. É um Deus vestido de homem, com sofrimentos por fora e nenhum veneno dentro. Ele sofre sem pecado. Quem olhar para ele com fé e penitência não morrerá, mas ficará curado das mordidas das serpentes, que são os pecados.
O sinal de Deus é um menino envolto em panos. A partir de hoje, ele começa a pagar por nós, que somos pecadores e merecíamos os seus sofrimentos. Ele nasceu sem pecado e tomou sobre si os pecados do mundo. Esse é o sentido do recém-nascido estar envolto em panos e colocado no presépio. Esse é o grande sinal de Deus para nós nesse Natal.