Ainda sobre o tema da educação e da leitura, podemos dizer que as leituras fazem trabalhar o nosso intelecto agente, ou seja, a nossa capacidade de elaborar os conceitos; também estimula o intelecto possível, pois permite um maior número de juízos, de relações, de sinapses. Na leitura devemos, pois, ter um comportamento inicialmente passivo e posteriormente ativo. Passivo porque devemos ler com abertura de mente e certo grau de confiança no autor do texto. Além disso, devemos deixar a realidade formar nossa maneira de pensar, e não pensar que ocorre o contrário. Também é preciso também reagir ao que se lê, ao que recebemos intelectualmente. Devemos ler para pensar, para nos enriquecer e para utilizar do que lemos nas nossas vidas práticas. O leitor não pode ser meramente passivo, buscando um armazenamento maquinal de informações. Como diz Sertillanges: muitos leem como se tricota. Fazem-no com uma espécie de indolência de espírito, como um espectador que vê desfilar diante de si ideias “como um pastor sonolento olha a água passar” (A vida intelectual, 2022, p. 184).
O trabalho intelectual é, contudo, vida do espírito, ou seja, trabalho fatigoso de assimilação, a qual é a reação do organismo ao que o nutre. Não basta ler para se instruir, pois isso não muda a própria substância. A passividade, a docilidade, a confiança nos autores é essencial, mas é apenas o trabalho inicial da inteligência. Sertillanges cita A. Comte: “A obediência está na base do aperfeiçoamento”, mas ela não é o aperfeiçoamento (2022, p. 184). De forma que quem nos instrui pode nos dizer: “eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10, 10). Vida intelectual quer dizer uma atitude inicialmente passiva e na maior parte do tempo ativa.
A palavra educação provém do latim educere, que significa trazer para fora, extrair as potencialidades que se tem dentro. De forma que não é possível ensinar sem a iniciativa, a atividade da inteligência de quem está sendo educado, ou seja, o uso do intelecto agente e possível. Desse modo, a educação não é uma imposição extrínseca à pessoa, mas um estímulo para que ela chegue a atualizar as próprias potências, ou seja, chegue a ser efetivamente o que já é. De forma que ninguém pode nos instruir sem a nossa colaboração e atividade. Como diz Sertillanges, a vendedora nos mercados não alimenta o nosso corpo (2022, p. 184). Do mesmo modo, não são os livros que nos alimentam ou educam. O que leio deve se tornar parte de mim e cada um deve fazer isso por si. Nesse sentido, dizia Boécio: “Pela doutrina, o espírito do homem é somente excitado a saber” (De Consolatione Philosophica, V, prosa 5). E antes dele Santo Agostinho afirmou: “Um homem está para o ensino como o agricultor está para a árvore” (De Magistro).
Para Santo Tomás de Aquino a palavra ou o escrito são meros sinais que fornecem a matéria do trabalho da nossa inteligência. O som ressoa, a luz vibra, nossos sentidos externos captam os estímulos e os transmitem aos nossos sentidos internos e ao nosso intelecto. O intelecto então gera a palavra interna, o conceito, que possibilita novos conhecimentos. Os sinais estimulam e possibilitam o conhecimento. A ciência não são os sinais ou o conjunto deles, mas a obra do intelecto sobre os sinais externos.
Os sinais e as realidades conhecidas permanecem, pois, externos ao intelecto. Sinais e realidades correspondem às ideias elaboradas pelo intelecto. Os sinais possibilitam o pensamento, o raciocínio, mas não o substituem. Diz Sertillanges: “O ensinamento só nos fornece os meios de agir espiritualmente, como a medicina oferece a nossos corpos meios de se curar; mas assim como nenhuma medicina tem ação sobre um organismo inerte, nenhum ensinamento triunfa sobre um espírito negligente” (2022, p. 185).