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Inteligência Artificial e a Inteligência de Santo Tomás de Aquino

Pe. Anderson Alves

J.-P. Torrell, numa excelente biografia sobre Santo Tomás de Aquino, que recomendamos nesse ano, quando celebramos os 750 anos da morte daquele grande santo (Iniciação a Tomás de Aquino. Sua pessoa e obra, Loyola, 1999), fala-nos de como Tomás de Aquino realizava os seus comentários bíblicos, que era a primeira tarefa do professor universitário de teologia na Idade Média.

O seu “Comentário ao livro de Isaias”, primeira obra teológica do jovem “bacharel bíblico” (possuímos um texto autógrafo dessa obra), era dividido em duas partes: a) o comentário literal ao texto, que buscava explicitar a mente do autor, ou seja, o que pensava o autor sagrado ao escrever o texto; b) e, à margem do comentário, havia breves anotações em estilo telegráfico, denominadas posteriormente de collationes, em formas de esquemas e ligadas ao texto principal por traços gerais. A partir de uma frase ou palavra de Isaías Tomás anotava as sugestões que lhe vinham à memória, com vistas da sua aplicação pastoral ou espiritual. As collationes eram compilações da Escritura que inspiram aplicações morais ou espirituais e dizem respeito ao que os medievais chamavam de “sentido místico” da Escritura.

Um exemplo dado por Torrell é o seguinte: Ao comentar Is 48, 17 (“Eu te ensino coisas úteis”), Tomás diz que a palavra de Deus e útil para:

– Iluminar a inteligência, Pr, 6, 23: “O ensinamento é uma luz”;

– Agradar a sensibilidade, Sl 119,103: “Quão doce ao meu paladar tua promessa [tuas palavras]”;

– Inflamar o coração, Jr 20,9: “A palavra do Senhor o inflamou”;

– Retificar a obra, Sl 24,5: “Dirige-me na tua verdade, ensina-me”;

– Obter a glória, Pr 3, 21: “Guarda a ponderação e a prudência”;

– Instruir os outros, 2Tm 3, 16: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para ensinar, refutar…”

Com isso, percebemos que, para Tomás de Aquino, a teologia é uma ciência rigorosa, que parte da lectio, ou seja, da leitura atenta que busca captar o sentido autêntico do texto bíblico. Entretanto, isso deve levar o leitor à conversão, à oração, à união com Deus e à caridade. O último ponto da sua collatio de Tomás afirma que a contemplação da Palavra não é objetivo em si mesmo, mas deve servir para a instrução. A teologia tem uma finalidade prática. Para Santo Tomás, a maior felicidade que o homem pode obter nessa vida é “contemplar e comunicar o contemplado”. Isso o fez escolher a “Ordem dos Pregadores”, fundada poucos anos antes por São Domingos. De fato, os primeiros biógrafos de Tomás dizem que ele aprendeu algo com aquele santo: Santo Tomás “só falava de Deus ou com Deus” (nonnisi cum Deo aut de Deo loquebatur).

E como Tomás fazia essas collationes? A resposta é surpreendente: através de associação de palavras latinas (o que não é percebido nas traduções). Ele buscava citações para cada palavra que teriam causado a sua iluminação. Assim, ao comentar o texto que diz “Eu te ensino coisas úteis”, Tomás procurava na sua memória versículos bíblicos em que apareciam os termos mencionados e ordenava os textos bíblicos de modo esquemático e pedagógico, com o fim de usar isso na sua pregação e conduzir o leitor a Deus.

Ora, essa relação de palavras numa base de dados não é o que o Chatgpt e outros programas similares fazem? O que Tomás fez com muito esforço e dedicação ao longo de muito tempo poderia ser feito agora por programas informáticos em poucos minutos. Isso mostra a genialidade de Tomás de Aquino e como as IAs podem ser bem utilizadas, inclusive em teologia.

Entretanto, uma máquina não reza, não se converte, não pode entrar em comunhão com Deus e com o próximo. Isso é tarefa exclusivamente humana, e usar a tecnologia em benefício do homem, da sua razão, da fé e da vida social, é algo que devemos fazer. A máquina não é capaz de ensinar ética. Somos nós que devemos agir com responsabilidade moral os meios técnicos que podemos construir. Essa tarefa sempre confiada ao homem, e por isso ele é considerado “imagem e semelhança” de Deus.

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