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Imagem de Deus: A Dignidade Humana Segundo Santo Tomás de Aquino – Pe. Anderson Alves

“Façamos o homem à nossa imagem e semelhança” (Gen 1, 26-27). A Igreja afirma, a partir dessa frase, a dignidade especial do homem. Essa frase foi constantemente recordada, também no Vaticano II, em Gaudium et Spes 22, que diz: “Na realidade, o mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente. Adão, o primeiro homem, era efetivamente figura do futuro, isto é, de Cristo Senhor. Cristo, novo Adão, na própria revelação do mistério do Pai e do seu amor, revela o homem a si mesmo e descobre-lhe a sua vocação sublime”. João Paulo II recorria àquele texto bíblico para falar da singular dignidade da pessoa humana. Essas palavras foram objeto de reflexão dos cristãos desde o início. Muitos Padres da Igreja estudaram esse tema, especialmente Santo Tomás de Aquino, na Escolástica medieval. Para ele, a imagem divina foi impressa na natureza do homem. De modo que ele falava da “imago creationis”.

Isso significa que o homem tem uma dignidade natural e uma sobrenatural. Inclusive no homem não justificado e pecador, está presente a imagem de Deus. Portanto, pode-se dizer que todo homem é teocêntrico, pois vem de Deus e estará inquieto enquanto não retornar para ele. A imagem possibilita o homem voltar para Deus, com a ajuda da sua graça, que é sobrenatural e imerecida. A capacidade de retornar à comunhão com Deus se atualiza com a resposta humana a Deus, que agiu na História, dando origem à chamada “História da salvação”. Essa foi livre e absolutamente gratuita.

O equilíbrio antropológico de Santo Tomás de Aquino é relevante e evita dois erros opostos: o primeiro é o pensar que a dignidade humana provém apenas da obra da salvação. Segundo o pensamento de Lutero, o homem ficou totalmente corrompido pelo pecado e por isso não tem uma dignidade intrínseca. O outro erro oposto seria o de afirmar tanto a dignidade natural do homem a ponto de considerá-lo um “cristão anônimo”, pelo mero fato de ser pessoa, capaz de conhecer a verdade e amar o bem. Essa última tese anula a necessidade da graça divina (da ação livre de Deus livre na História) e nega a gratuidade absoluta da obra da salvação.

Em S. Th., I, q. 93, Tomás de Aquino trata a imagem de Deus. No artigo primeiro ele se pergunta se no homem está presente a imagem de Deus. Parece que não, pois ser imagem de Deus é algo próprio do Filho Primogênito, segundo São Paulo, que disse aos Colossenses: “Ele é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda criatura” (1, 15). Parece, pois, que só o Filho é imagem de Deus, e não o homem.

Tomás responde que onde há imagem há certa continuidade e semelhança, ainda que nem toda semelhança implique continuidade e imagem, segundo Santo Agostinho (Octaginta trium Quaest.). De modo que a semelhança pertence à razão de imagem e a imagem acrescenta algo à razão de semelhança: o fato de ser expressa ou produzida por outro. Chamamos algo de “imagem” pelo fato de ser feita à imitação de outra coisa. Pode haver uma semelhança tão forte que implique igualdade, sem que ocorra a imagem. Assim, um ovo é igual a outro, sem que um seja imagem do outro, por não ser feito pelo outro. A imagem ocorre quando algo é feito à imitação de outro. A igualdade não faz parte da razão de imagem, pois Santo Agostinho diz: “onde há imagem, não há necessariamente igualdade”. Santo Tomás dava um exemplo, que hoje deve ser atualizado: dizia que quando uma pessoa se vê no espelho não contempla uma imagem igual a si. Devemos pensar que os espelhos medievais eram muito imperfeitos, por isso neles havia certa semelhança, mas de nenhum modo igualdade. Na imagem perfeita, contudo, nada deve faltar do que está naquilo de que é reproduzido.

Portanto, é necessário certa semelhança para haver a imagem, e há certa semelhança de Deus no homem. Essa semelhança deriva dele como do seu modelo. Não é uma semelhança segundo a igualdade, pois no exemplar a perfeição excede infinitamente à que está no homem, moldado à imagem de Deus. Está, pois, no homem uma imagem de Deus imperfeita. E é isso que diz a Escritura: o homem foi feito “à imagem de Deus”. A proposição “a” (que se une ao artigo definido “a”) significa aproximação, acesso, ou seja, algo que corresponde a uma realidade distante.

Desse modo, Cristo, o Primogênito de toda criatura, é a imagem perfeita de Deus. Ele realiza perfeitamente a razão de imagem. Por isso, nunca as Escrituras dizem que ele foi feito “à imagem” de Deus. O homem, porém, não é “a imagem”, mas ele foi feito “à imagem” de Deus, em virtude da semelhança imperfeita que possui com Deus. Segundo Santo Tomás, a semelhança perfeita só pode ocorrer quando há identidade de natureza. Nesse sentido, a imagem de Deus Pai se encontra no Filho Primogênito, como a imagem do rei se encontra no seu filho, de quem recebeu a vida. No homem, está a imagem de Deus como em outra natureza, assim como a imagem do rei está numa moeda de prata cunhada por ele.

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