Entrevista com o fundador da Comunidade Nossa Senhora D’Ajuda, Franklin Cunha Cardoso sobre o trabalho realizado pela Comunidade, promovendo o acolhimento de pessoas com deficiência e suas famílias na missa, favorecendo que participem da vida da Igreja, encontrando-se com Jesus Cristo.
Rogerio Tosta: Esse trabalho da Missa do Bom Pastor com pessoas com alguma deficiência, principalmente crianças, começou a partir de quê?
Franklin Cunha Cardoso: Então, tudo começou a partir de uma conversa com Dom Gregório. Eu estava acompanhando o carisma da comunidade e, nesse diálogo, ele fez uma brincadeira comigo. Disse que a nossa diocese era muito abençoada, porque não tinha deficientes, não tinha surdos, nem havia autistas. Fiz uma expressão de surpresa, e ele perguntou se eu estava surpreso. Eu respondi que sim, e ele emendou: “Mas eles existem?” E eu disse que sim. Ele então comentou que, apesar de saber que essas pessoas existiam, elas não estavam presentes em nossas paróquias. “Eles são nossos invisíveis, existem, mas não estão nas nossas paróquias.” Fiquei com isso no coração. Nosso carisma é promover o encontro com Cristo dos enfermos do corpo e da alma. Depois, tomei conhecimento de uma carta de uma mãe, direcionada à Igreja, contando que sempre foi católica e participava da Santa Missa em família, mas, há nove anos, estava impedida de ir à missa porque sua filha autista, com grau 3 de suporte, havia nascido. Tudo isso me tocou profundamente, e comecei a sentir que Deus me perguntava: “Existe encontro maior comigo do que a missa dominical? Por que minha filha não pode se encontrar comigo todos os domingos?” Assim, surgiu em nossos corações o desejo de promover uma missa adaptada, onde essas pessoas pudessem estar, junto às suas crianças, em um espaço seguro, acolhedor, com portas fechadas, um lugar preparado para elas e que não fossem olhadas com discriminação ou intolerância. Se a criança precisasse se desregular durante a missa, não teria problema; poderia se movimentar para ordenação sensorial delas e seu direito de viver a experiência da Igreja seria respeitado. E assim nasceu o projeto.
Rogerio Tosta: E como foi o início desse projeto da missa?
Franklin Cunha Cardoso: Com esse desejo ardendo em nossos corações, levamos a proposta ao padre Ernande, na época pároco da São Pedro. Explicamos que aquelas pessoas não poderiam mais ser invisíveis e precisavam de um espaço. Ele, muito sensível, apoiou a ideia e sugeriu o horário menos movimentado das missas—que antes era às 11h, depois passou para 10h30. Convidamos a Valéria, mãe do Lucas, que tem experiência muito grande com autismo e formamos uma equipe, que incluiu também uma musicoterapeuta e terapeutas diversos, e passamos dois meses estruturando a missa: desde fechar as portas para garantir o ambiente controlado, até adaptações no altar, como colocar a vela mais para dentro, não ligar ventiladores, evitar palmas e reduzir alguns cantos. Fomos aprendendo e nos adaptando com o tempo. O projeto já tem dois anos e meio, com missas dominicais continuamente realizadas.
Rogerio Tosta: Mas essa missa é da comunidade e adaptada para os autistas e outras deficiências, ou não?
Franklin Cunha Cardoso: Isso, o projeto nasceu pela inspiração do carisma da Comunidade Católica Nossa Senhora da Ajuda, em parceria com a Paróquia de São Pedro, que acolhe e celebra a missa. Além disso, toda a equipe de apoio e organização é da comunidade: temos tradutores de Libras para surdos, adaptações para cadeirantes—alguns bancos foram modificados para que o cadeirante possa ficar ao lado da família. Seguimos nos adaptando, aprendendo e ajustando. Por exemplo, no verão percebemos que os ventiladores causavam desconforto sensorial a alguns, então passamos a abrir janelas e portas laterais em vez de usar ventiladores. Esse é um processo em constante evolução.
Rogerio Tosta: E vocês já pensam em levar essa iniciativa para outras paróquias?
Franklin Cunha Cardoso: Sim! Dom Gregório nos deu essa missão, inclusive gravou um vídeo sobre a missa e falava justamente disso. Dom Joel também comentou que o projeto é precioso demais para ficar restrito a uma só paróquia. A necessidade não é só local, é em toda a diocese, no mundo inteiro. O desejo da comunidade é justamente expandir, partilhar a experiência e fornecer formação para quem precisar.
Rogerio Tosta: Além desse projeto da Missa do Bom Pastor, vocês têm também o projeto de emprestar equipamentos para pessoas com deficiência, como cadeiras de rodas. Como surgiu esse trabalho e como ele funciona?
Franklin Cunha Cardoso: Esse é o Projeto Teresinha. Muitos acham que é em homenagem a Santa Teresinha, mas, na verdade, é por causa da Dona Teresinha, uma intercessora muito querida da paróquia que, após um AVC, precisou de um andador. Ninguém tinha para emprestar, a família não tinha condição de comprar para o breve período de recuperação. Um grupo de amigos comprou o andador, ela usou por dois meses e, infelizmente, veio a falecer. A filha nos devolveu o andador, e Deus começou a incomodar o nosso coração. “Olha, vocês precisaram e não tinham com quem pegar. Agora vocês têm o material e não sabem o que fazer.” Então, pensamos em quantas pessoas têm equipamentos guardados que poderiam ser emprestados para quem precisa. A comunidade se colocou nesse papel de ponte. O padre Ernande disponibilizou sala e secretaria da paróquia para a organização. Lançamos a campanha e a resposta foi surpreendente. As famílias da paróquia e toda a diocese participaram. Com isso, recebemos muito material. Também fizemos a campanha do lacre da tampinha da lata de refrigerante. Temos um barril que fica na entrada da Igreja e a cada dois ou três meses, com o barril de 200 litros cheio de tampinhas, vendemos para reciclagem e compramos cadeiras de rodas e equipamentos. Hoje, temos cerca de 40 cadeiras de rodas, 50 cadeiras de banho, andadores, muletas, botas ortopédicas e outros materiais. Todos são emprestados gratuitamente, bastando um simples cadastro de compromisso de devolução, sem nenhuma restrição quanto à religião de quem procura a comunidade.
Rogerio Tosta: Quando a comunidade surgiu? Quantos membros tem? Qual é o trabalho principal dela?
Franklin Cunha Cardoso: O nome Nossa Senhora D’Ajuda veio de uma revelação durante uma missa em Guapimirim, na Paróquia Nossa Senhora D’Ajuda. Estava visitando a cidade e quando eu estava na missa, Deus falou, e assim já tinha o sonho dele, esse nome. Ele foi muito claro. No dia, o Senhor me deu a palavra fundante da comunidade, Lucas 4, de 38 a 41, que fala da cura da sogra de Pedro—onde Jesus cura e todos que entram na sua casa também são curados. Foram 15 anos de amadurecimento dessa revelação no coração. Tive uma conversa com Dom Gregório, numa visita pastoral dele aqui, na paróquia São Pedro, e ele falou que havia realmente um carisma nascendo e precisava ser acompanhado. Ele começou um acompanhamento conosco, que durou três anos, com audiências com ele e com uma outra comunidade, Tempo Santo. Depois desses três anos de acompanhamento sobre o carisma, com tudo que estava acontecendo, e antes dele sair da diocese, me chamou, afirmando que reconhecia o carisma como autêntico e nos deu autorização de funcionamento na Diocese. O trabalho principal da comunidade é promover o encontro com Cristo dos enfermos do corpo e da alma, seja com projetos como a Missa do Bom Pastor, o Projeto Teresinha ou outras iniciativas.
Rogerio Tosta: Você mencionou que a comunidade tem uma sede. O que é exatamente essa sede?
Franklin Cunha Cardoso: A sede se chama Casa de Simão, em alusão à passagem bíblica ligada ao nosso carisma. É um espaço para acolher e receber pessoas. Adquirimos uma casa com o propósito de ser também uma casa de formação para a paróquia e o decanato, abrigando encontros, retiros e atividades. Ainda não temos alojamento, mas já recebemos eventos de um dia. Estamos construindo a capela de São Padre Pio e temos estrutura para realizar a manutenção dos materiais ortopédicos, como cadeiras de rodas, que muitas vezes precisam de pequenos consertos antes de serem emprestadas.
Rogerio Tosta: E na sua vida pessoal e familiar, o que mudou após você tomar consciência do carisma e da vontade de Deus?
Franklin Cunha Cardoso: Mudou tudo. Percebo hoje que o carisma sempre esteve presente na minha vida, só não tinha consciência plena disso. Após a revelação, tudo mudou: entrega, fé, confiança na providência. Ver a alegria de famílias que conseguem participar plenamente da vida da Igreja nos motiva. Mesmo tendo duas filhas sem deficiências, consegui sentir a dor dessas famílias impedidas de viver a comunidade. Por que uma mãe deveria estar privada da missa, ou o surdo não poderia participar plenamente? Porque às vezes o pai tem que ir num horário, a mãe em outro, porque não há inclusão? Esses questionamentos tocaram profundamente. Ver essas famílias acolhidas na missa, participando juntas, é transformador e dá sentido a todo o trabalho, mesmo sabendo que ainda há muitas outras precisando dessa experiência.
Rogerio Tosta: Para finalizar, deixe uma mensagem.
Franklin Cunha Cardoso: Quero dizer que o carisma está aberto: estamos prontos para dialogar, criar planos e estratégias, compartilhar experiências e formar outros grupos—seja em paróquias, universidades, ou onde houver necessidade. A comunidade existe para a Igreja e para a humanidade, com a missão de promover o encontro de todos com Cristo, especialmente dos enfermos do corpo e da alma.
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