Segundo Bento XVI um assunto intrinsecamente relacionado com o desenvolvimento dos povos é a liberdade religiosa, que deve ser promovida. Às vezes afirma-se confusamente que o estado moderno é “laico”, mas isso é fonte de ambiguidades. Na verdade, o Estado liberal moderno, como o brasileiro, é “democrático”, como diz o prólogo da nossa Constituição, elaborada “sob a proteção de Deus” (prólogo). O artigo 5º da Constituição Brasileira (1988) diz: “VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.
“Laico” não é um termo político, mas teológico. Significa originalmente “povo”, do grego “laikos”. Na teologia cristã e no Novo Testamento encontramos o termo “ekklesia”, que significa “povo convocado”. Daí deriva-se o termo teológico “laico”, ou “leigo” (são o mesmo termo em português), que significa o fiel batizado, convocado ou chamado por Deus. Nesse sentido, um Estado não pode ser “leigo” ou “laico”, mas sim “democrático”, “a-confessional”, “neutro” ou “liberal” em matéria religiosa. Assim, não impõe uma religião, mas promove a liberdade de culto, na medida em que colabora com o bem comum. Como disse E. Böckënforde, “o estado secular liberal vive de premissas que ele próprio não pode garantir”, ou seja, vive de forças, energias morais que ele mesmo não proporciona. A religião pode ser uma força de promoção dessas energias.
O Estado secular moderno promove a liberdade religiosa e contradiria a si mesmo se impusesse uma religião (seja da maioria, seja da minoria) ou se impusesse o ateísmo. Nos dois casos, negaria a si mesmo e a sua razão de ser. Seria uma teocracia religiosa ou um estado totalitário, que esmagaria as consciências e as liberdades pessoais, destruindo as próprias bases morais e o espírito de iniciativa. Segundo Bento XVI, “quando o Estado promove, ensina ou até impõe formas de ateísmo prático, tira aos seus cidadãos a força moral e espiritual indispensável para se empenhar no desenvolvimento humano integral e impede-os de avançarem com renovado dinamismo no próprio compromisso de uma resposta humana mais generosa ao amor divino” (Caritas in veritate, n. 29).
A Encíclica fala do que se opõe à liberdade religiosa: os conflitos movidos por motivações religiosas, unidas à sede de domínio e de riqueza; o uso indevido do nome de Deus como motivação para se matar – algo condenado diversas vezes por João Paulo II e Bento XVI; o fanatismo religioso, que impede o exercício da liberdade de religião aos membros de outras confissões; a promoção programada da indiferença religiosa ou do ateísmo prático por parte dos governos. Segundo Bento XVI, “As violências refreiam o desenvolvimento autêntico e impedem a evolução dos povos para um bem-estar socioeconómico e espiritual maior. Isto aplica-se de modo especial ao terrorismo de índole fundamentalista, que gera sofrimento, devastação e morte, bloqueia o diálogo entre as nações e desvia grandes recursos do seu uso pacífico e civil” (n. 29).
Por outro lado, “Deus é o garante do verdadeiro desenvolvimento do homem, já que, tendo-o criado à sua imagem, fundamenta de igual forma a sua dignidade transcendente e alimenta o seu anseio constitutivo de ‘ser mais’. O homem não é um átomo perdido num universo casual, mas é uma criatura de Deus, à qual Ele quis dar uma alma imortal e que desde sempre amou. Se o homem fosse fruto apenas do acaso ou da necessidade, se as suas aspirações tivessem de reduzir-se ao horizonte restrito das situações em que vive, se tudo fosse somente história e cultura e o homem não tivesse uma natureza destinada a transcender-se numa vida sobrenatural, então poder-se-ia falar de incremento ou de evolução, mas não de desenvolvimento” (n. 29).
Acontece, entretanto, que países desenvolvidos exportem para os países pobres, no âmbito das suas relações culturais, comerciais e políticas, uma visão redutiva da pessoa, do seu destino e da religião. Esse seria o “o dano que o ‘superdesenvolvimento’ acarreta ao desenvolvimento autêntico, quando é acompanhado pelo ‘subdesenvolvimento moral’” (n. 29). Isso mina as forças da família, da sociedade e consequentemente, do próprio Estado, que deve servir ao homem, e não o homem ao Estado.
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