No dia 31/12/22 faleceu Bento XVI. Desde 1417 a morte de um papa não coincidia com o final do seu ministério. Bento XVI foi papa por 8 anos (2005-13) e passou quase 10 anos como “papa emérito” (2005-22), sinal da sua verdadeira humildade. Ele nasceu em 1927, na Baviera, e foi, ao lado de João Paulo II, protagonista da História da Igreja no século XX e início do XXI. Ratzinger foi ordenado sacerdote em 1951, com 24 anos de idade. Tornou-se doutor em teologia dois anos depois. Em 1957, obteve a habilitação para o ensino de teologia. Ele foi o último papa que participou ativamente no Concílio Vaticano II (1962-65), como perito do cardeal Frings, de Colônia. Ratzinger tinha então 35-38 anos. No Concílio contribuiu nas discussões sobre a colegialidade (Lumen Gentium); sobre a Tradição e a Escritura como “única fonte” da Revelação (Dei Verbum); sobre a índole missionária da Igreja (Ad gentes). Colaborou ainda na Constituição Gaudium et spes, em parceria com Yves Congar, o qual disse sobre ele: “Felizmente há Ratzinger. Ele é razoável, modesto, desinteressado, de boa ajuda”.
Em 1977, com 50 anos, Ratzinger foi nomeado por Paulo VI arcebispo de Mônaco e depois de algumas semanas foi feito cardeal. Em 1981 foi nomeado prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé por João Paulo II e ficou no cargo até 2005, quando presidiu a celebração do funeral de João Paulo II e foi eleito Papa. Joseph Ratzinger possui mais de 600 publicações. É o maior teólogo contemporâneo e transformou a teologia em verdadeiro serviço pastoral. Foi influenciado por autores antigos, como Santo Agostinho, São Bento, Santo Tomás de Aquino, São Boaventura, e novos, como o cardeal Newman, Romano Guardini, K. Adam e H. de Lubac. Ele ingressou no Seminário em 1946, aos 18 anos, logo após a II Guerra mundial, na qual ele foi feito prisioneiro. O seu orientador de doutorado foi Gottlieb Söhngen; o segundo relator da sua tese foi Michael Schmaus.
Em 1947, Ratzinger leu Catolicismo: aspectos sociais do dogma, de Henri de Lubac. Essa obra dialoga com as diversas correntes do pensamento moderno e 1/3 dela é composta por citações dos Padres da Igreja. Ele então percebeu a necessidade de elaborar uma teologia em diálogo com o pensamento contemporâneo, a partir do patrimônio dos pensadores da Igreja, especialmente os Padres e os doutores medievais.
Segundo A. Tornielli, “Deus é amor” é a chave do pontificado de Bento XVI (L’Osservatore Romano, 31/12/22). De fato, Alfred Läpple recebeu Joseph Ratzinger no Seminário de Frisinga, em 1946. Em uma entrevista de 2006 à Revista 30 giorni, Läpple disse que naquele primeiro ano no seminário ele, que na época tinha 30 anos, e Ratzinger traduziram do latim ao alemão a obra Questões disputadas sobre a caridade de Santo Tomás de Aquino. Eles buscaram então as versões originais de todas as citações da obra, de Platão, Aristóteles, Santo Agostinho etc. A primeira encíclica de Bento XVI foi Deus caritas est, obra muito lida e comentada. Läpple disse que era sugestivo que a primeira encíclica de Bento XVI recordasse a sua opus primum, feita no seu primeiro ano do Seminário. Läpple entendeu que em cada novo início, está sempre a caridade.
O cardeal Schönborn chamou Bento XVI de “O Pai do Catecismo da Igreja Católica” (L’Osservatore Romano, 31/12/22). De fato, essa obra foi publicada em 1992, tendo sido iniciada seis anos antes. Os trabalhos da redação foram coordenados pelo cardeal Ratzinger. O texto fala sempre da alegria do ser cristão.
Segundo F. Lombardi (L’Osservatore Romano, 31/12/22), J. Ratzinger recebeu a vocação sacerdotal, ao estudo teológico e ao serviço litúrgico e pastoral. Quem soube compreender e valorizar a importância intelectual e cultural de Ratzinger foi João Paulo II. Ele levou isso à Igreja de todo o mundo. De fato, por 24 dos 26 anos do seu pontificado Ratzinger foi prefeito da Congregação para a doutrina da fé (1981-2005).
Segundo E. Guerriero “razão, fé e amor” constituem “a herança de Bento XVI” (L’Osservatore Romano, 31/12/22). A obra que contém o núcleo do pensamento de Ratzinger é “O Deus da fé e o Deus dos filósofos”, que foi uma lição feita no início da sua atividade acadêmica na Universidade de Bonn, em 1954. Nessa obra, ele disse que a visão filosófica e a teológica se encontram na busca pela verdade. Essa busca deve ser séria. A filosofia surge da dignidade do homem que visa compreender a sua origem e o seu destino. A teologia surge da fé no Deus que vem ao encontro da sua criatura, amando-a e estabelecendo com ela um diálogo. Esse seria o fio condutor da sua obra mais famosa, Introdução ao cristianismo e está também no Catecismo e em Deus caritas est.
Ratzinger foi sempre um teólogo que buscou a comunhão com Deus e o serviço ao próximo. Como Papa, escreveu uma grande obra sobre “Jesus de Nazaré”, fruto do seu estudo e da sua busca pessoal. Ele dizia que os pobres e os simples de coração são o tesouro mais precioso da Igreja. E convidava aos teólogos a terem o mesmo respeito e afeto para com eles: o serviço deles à fé é a maior colaboração à renovação da Igreja. Aos padres, ensinava que a sua tarefa principal era a de permanecer na presença de Deus e estar no serviço aos fiéis para manter viva a chama da fé e da esperança. Em seu testamento espiritual, datado de 2006, disse: “São pelo menos 60 anos que acompanho o caminho da Teologia, em especial das Ciências Bíblicas, e com o subseguir-se das várias gerações vi ruir teses que pareciam inabaláveis, demonstrando-se serem simples hipóteses: a geração liberal (Harnack, Jülicher etc.), a geração existencialista (Bultmann etc.), a geração marxista. Vi e vejo como do emaranhado das hipóteses tenha emergido e emerja novamente a razoabilidade da fé”.
Bento XVI escreveu três Encíclicas: Deus Caritas Est (2006), Spe Salvi (2007) e Caritas in Veritate (2009). Deixou iniciada Lumen fidei, que foi concluída pelo Papa Francisco. Assim ele recordou o centro da vida cristã: a fé, a esperança e a caridade. Em Caritas in Veritate deixou uma preciosa colaboração à Doutrina Social da Igreja. Esclareceu de modo simples e magistral a relação entre justiça e caridade (n. 6): “A caridade supera a justiça, porque amar é dar, oferecer ao outro do que é ‘meu’; mas nunca existe sem a justiça, que induz a dar ao outro o que é ‘dele’, o que lhe pertence em razão do seu ser e do seu agir. Não posso ‘dar’ ao outro do que é meu, sem antes lhe ter dado aquilo que lhe compete por justiça”.