A Eucaristia como “Memorial da Paixão de Cristo” e Vértice dos Sacramentos na Poesia de Santo Tomás de Aquino

Pe. Anderson Alves

No dia 19/12/2025 publicamos nosso novo livro, “Entre a Beleza e a Sabedoria: Poesia, Educação e Teologia em Tomás de Aquino”, em celebração aos 800 anos do nascimento de Santo Tomás, aos 750 anos de sua morte e aos 700 anos de sua canonização (18/07/1323). A obra nasce de um evento realizado em 2024 na Universidade Católica de Petrópolis, dedicado a essa temática, e que reuniu renomados especialistas estrangeiros — como J. J. Sanguinetti e D. Bacigalupe — além de pesquisadores brasileiros, entre eles Nina Barbieri, Danilo Cortez, F. Costa, M. T. Ferreira Moreno e este que vos escreve.

Essa obra nos revela que para Santo Tomás de Aquino, a Eucaristia não é apenas um dos sacramentos, mas o “sacramento da paixão de Cristo”, o “memorial de sua morte”, a “perfeição da vida espiritual e o fim de todos os sacramentos” (Biffi, 2005). A doutrina eucarística de Santo Tomás, de fato, é notável pela “limpidez e agudeza”, e foi objeto de sua “mais aguda pesquisa teológica, sua piedade mais apaixonada e sua mais lírica inspiração” (Biffi, 2005). Essa intensidade levou-o a infundir a “linguagem dogmática” com “acentos da lírica”, resultando em hinos e sequências que ainda hoje são cantados (Biffi, 2005).

No cerne da teologia eucarística de Tomás está o conceito de memoria passionis Christi — o “memorial da paixão de Cristo”. Aqui, memorial não significa apenas recordar um acontecimento passado, mas, no sentido bíblico-judaico, trata-se da atualização sacramental de um evento salvífico que, embora histórico, torna-se presente e eficaz. Assim, o mistério é tornado atual e estende sua força a todos os tempos e a todos os homens.

Para Santo Tomás, a precisão dos conceitos e o rigor das análises não apenas não diminuem sua “emocionada paixão pelo Santíssimo Sacramento”, mas, ao contrário, a manifestam de forma eloquente (Biffi, 2005). A Eucaristia é o sacramento perfeito porque contém “Cristo em pessoa” (“Christus in persona”), o “Cristo que sofreu” (“Christus passus”), e não apenas a “energia” ou “valor” da paixão de Cristo, como ocorre em outros sacramentos (Biffi, 2005). “Enquanto estava para se afastar dos discípulos em sua figura física, Jesus deixou-lhes a si mesmo na forma do sacramento” (Biffi, 2005). Assim, a Eucaristia se torna o “sinal do máximo amor e o sustento da nossa esperança” (Biffi, 2005).

A colocação da Eucaristia no ordo disciplinae da Summa Theologiae é bastante significativa. Tomás a situa entre os sacramentos, após a cristologia (estudo da vida e obra de Jesus Cristo) e a teologia dos mistérios de Cristo, pois os sacramentos “recebem sua eficácia do próprio Verbo encarnado” e têm a tarefa de “incorporar o homem a Cristo”. Eles “derivam sua eficácia da paixão de Cristo, cuja energia se une a nós mediante os sacramentos” (Biffi, 2005).

Tomás de Aquino atribui à Eucaristia um “triplo significado” que abarca toda a história da salvação. Primeiro, em relação ao passado, é “comemorativo da paixão do Senhor, que foi um verdadeiro sacrifício”, sendo por isso “denominado sacrifício”. Em segundo lugar, em relação ao presente, é a “unidade eclesial”, pela qual os homens são agregados à Igreja, sendo por isso “definido comunhão”. Finalmente, em relação ao futuro, “prefigura a fruição de Deus, que ocorrerá na pátria, sendo por isso chamado viático”, pois “nos abre o caminho para chegar lá” (Biffi, 2005).

Essa doutrina extraordinária, que une passado, presente e futuro, é expressa liricamente em seus hinos. No “Adoro te devote”, Tomás exclama com uma piedade ardente: “Ó memorial da morte do Senhor (O memoriale mortis Domini)” (Alves, 2025; Biffi, 2005), revelando a centralidade da paixão de Cristo. A Eucaristia é o “sacramento da paixão”, é a “fonte e causa da remissão dos pecados”. Ela contém, de forma exaustiva, a paixão redentora de Cristo, operando de forma antecipada no batismo e refletida na reconciliação. A Eucaristia é “sacramento perfeito na medida em que contém o Cristo que sofreu” (Biffi, 2005).

A poesia de Tomás, portanto, não apenas expõe dogmas, mas os canta com uma “precisão dos conceitos” e “rigor das análises” que não apagam a emoção, mas a manifestam. O Aquinate mostra assim como o sacramento da Eucaristia, através de sua presença real de Cristo sofredor, é o ápice de todos os outros sacramentos, conduzindo o crente a uma comunhão profunda com o evento salvífico da paixão. Em seus versos, a teologia se torna oração, e a doutrina se transforma em uma expressão viva da fé e do amor pela presença inesgotável de Cristo no altar.

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