A Doutrina Social da Igreja como forma de viver a caridade na verdade (parte III) – Pe. Anderson Alves

Bento XVI procura responder em Deus caritas est a duas objeções ao chamado “mandamento do amor”, presente no Antigo Testamento e fundamental para judeus e cristãos. São elas: a) é possível amar a um Deus que não é visto? b) E, talvez a objeção mais grave: o amor pode ser mandado? De fato, não é fácil responder a essas questões. Se ninguém jamais viu a Deus, como ele pode ser ele amado pelos homens? E o amor não seria um sentimento espontâneo, independente da vontade?

O Papa afirma que efetivamente ninguém jamais viu a Deus. Entretanto, Deus não é totalmente invisível e inacessível aos homens. Pois ele nos amou primeiro (Jo 4, 10) e se fez se visível quando “enviou o seu Filho unigênito ao mundo, para que, por Ele, vivamos” (1 Jo 4, 9). Deus se revelou em Jesus Cristo e por ele podemos ver o Pai (Jo 14, 9). Deus se fez visível, até lavar os nossos pés e morrer na cruz por nós. O amor de Deus também está presente, de forma oculta e misteriosa, na história da Igreja. De modo que incessantemente ele se revela nas Escrituras, na liturgia, no serviço prestado pelos cristãos e no profundo das almas dos homens, criados à imagem e semelhança de Deus.

Além disso, o amor é mais do que um mero sentimento espontâneo e irracional. Os antigos romanos definiam o amor com uma fórmula: “Idem velle atque idem nolle”, ou seja, querer as mesmas coisas e não querer o mesmo. Desse modo, o amor maduro implica uma identificação de vontade e leva o amante a se assemelhar à pessoa amada. O amor é uma força de união, que integra o querer, o pensar e o agir. De forma que o amor a Deus é muito mais do que um simples mandato. Disse Bento XVI: “A história do amor entre Deus e o homem consiste precisamente no fato de que esta comunhão de vontade cresce em comunhão de pensamento e de sentimento e, assim, o nosso querer e a vontade de Deus coincidem cada vez mais: a vontade de Deus deixa de ser para mim uma vontade estranha que me impõem de fora os mandamentos, mas é a minha própria vontade, baseada na experiência de que realmente Deus é mais íntimo a mim mesmo de quanto o seja eu próprio” (Deus caritas est, n. 17).

O amor ao Deus invisível passa então pelo amor ao próximo. Bento XVI recordava uma forte e central afirmação da obra de Santo Agostinho, De Trinitate: “Se vês a caridade, vês a Trindade”. Isso recorda-nos um texto do “Livro A Autólico”, de São Teófilo de Antioquia, um autor do século segundo, em que ele comenta a afirmação bíblica: “Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus”. O autor daquele antiquíssimo texto diz:

“Se me disserem: ‘Mostra-me o teu Deus’, dir-te-ei: ‘Mostra-me o homem que és e eu te mostrarei o meu Deus’. […] Na verdade, Deus é visível para aqueles que são capazes de vê-lo, porque mantêm abertos os olhos da alma. Todos têm olhos, mas alguns os têm obscurecidos e não veem a luz do sol. E se os cegos não veem, não é porque a luz do sol deixou de brilhar; a si mesmos e a seus olhos é que devem atribuir a falta de visão. É o que ocorre contigo: tens os olhos da alma velados pelos teus pecados e tuas más ações”.

Mais adiante o autor daquela obra diz: “O homem deve ter a alma pura, qual um espelho reluzente. Quando o espelho está embaçado, o homem não pode ver nele o seu rosto; assim também, quando há pecado no homem, não lhe é possível ver a Deus. Mas, se quiseres, podes ficar curado. Confia-te ao médico e ele abrirá os olhos de tua alma e de teu coração”.

A Doutrina Social da Igreja é um serviço de amor da comunidade dos crentes à sociedade. Ela pretende iluminar a nossa forma de viver e de agir no mundo, a partir da verdade fundamental sobre o ser humano. De forma que a ação social do cristão é marcada pela caridade. Ela nos leva a agradecer a Deus pelas maravilhas da criação, a reconhecer a ameaça do pecado e a querer redimir todas as coisas, com a força transformante do amor. O pensamento social cristão vê em cada pessoa uma ser com uma dignidade altíssima, inalienável, principalmente porque foi amado antes de existir. De forma que “ser” significa “ser amado”. O amor é o fundamento da existência e deve também ser o alicerce do agir de todas as criaturas racionais.

Obrigado por ter lido este artigo. Se quiser se manter atualizado, inscreva no nosso canal do WhatsApp acessando aqui

Envie um comentário ou uma sugestão: