A devoção e o culto à Santa Cruz, na qual Cristo deu a sua vida por nós, remonta aos começos do cristianismo. A Igreja canta, com entusiasmo, a Santa Cruz, pois foi o instrumento da nossa Salvação; se a árvore a cuja sombra os nossos primeiros pais pecaram foi a causa de perdição, a árvore da Cruz é origem da nossa salvação eterna.
A Palavra de Deus (Num 21,4-9) narra-nos como o Senhor castigou o Povo eleito por ter murmurado contra Moisés e contra Deus ao experimentar as dificuldades do deserto; enviou-lhe serpentes que causavam estragos entre os israelitas. Quando se arrependeram, o Senhor disse a Moisés: “Faze uma serpente de bronze e coloca-a como sinal sobre uma haste; aquele que for mordido e olhar para ela viverá. Moisés fez, pois, uma serpente de bronze e colocou-a como sinal sobre uma haste. Quando alguém era mordido por uma serpente e olhava para a serpente de bronze, ficava curado” (Num 21, 8-9).
A serpente de bronze era figura de Cristo na Cruz; quem o olha obtém a salvação. Assim o diz Jesus no diálogo mantido com Nicodemos: “Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que seja levantado o Filho do Homem, a fim de que todo aquele que crer tenha nele vida eterna” (Jo 3, 14-15).
Desde então, o caminho da santidade passa pela Cruz, e ganham sentido todas essas realidades que tanto precisam dele, como são a doença, a dor, as aflições econômicas, o fracasso…, a mortificação voluntária. Mais ainda: Deus abençoa com a Cruz quando quer conceder grandes bens a um dos seus filhos, a quem trata então com particular predileção.
Não são poucos os que fogem em debandada da Cruz de Cristo, e se afastam da verdadeira alegria, da eficácia sobrenatural, da própria santidade; fogem de Cristo. Levemos a Cruz sem rebeldia, sem queixas, com amor.
O anúncio da Cruz como um bem, como meio de salvação, sempre chocará os que a encarem com olhos puramente humanos. Paulo preveniu os primeiros cristãos acerca dos que não têm fé: “procedem como inimigos da Cruz de Cristo, o fim deles é a perdição, seu deus é o ventre, têm prazer somente nas coisas da terra”. Pensando com uma lógica humana, do materialismo, do prazer, do egoísmo, é muito difícil entender o cristianismo de Cristo. Muitos não sentem as coisas de Deus. Têm o olhar posto nos interesses materiais, nos prazeres, nas comodidades, como se fossem os verdadeiros caminhos da felicidade.
É possível que tenhamos aprendido desde a nossa infância a fazer o sinal da Cruz sobre a nossa testa, os nossos lábios e o nosso coração, em sinal externo da fé que professamos. A Cruz é a árvore de riquíssimos frutos, arma poderosa que afasta todos os males e espanta os inimigos da nossa salvação: Pelo sinal da Santa Cruz, livrai-nos Deus Nosso Senhor dos nossos inimigos, dizemos todos os dias ao persignar-nos. A Cruz, ensina São João Damasceno, “é o escudo e o troféu contra o demônio. É o sinal para que não sejamos atingidos pelo anjo exterminador, como diz a Escritura (Ex 9,12). É o instrumento para levantar aqueles que caem, o apoio para os que se mantém em pé, o bastão dos débeis, o guia dos que se extraviam, a meta dos que avançam, a saúde da alma e do corpo. Afugenta todos os males, acolhe todos os bens, é a morte do pecado, a semente da ressurreição, a árvore da vida eterna”. O Senhor pôs a salvação da humanidade no lenho da Cruz, para que a vida ressurgisse de onde viera a morte, e aquele que vencera na árvore do Paraíso fosse vencido na árvore da Cruz (Prefácio da Missa da Exaltação da Santa Cruz).
A Cruz apresenta-se na nossa vida de diversas maneiras: doença, pobreza, cansaço, dor, desprezo, solidão… Hoje podemos examinar como é a nossa disposição habitual em face dessa Cruz que, às vezes, mostra-se áspera e dura, mas que, se a levamos com amor, converte-se em fonte de purificação e de Vida, e, também, de alegria.
O amor à Cruz produz abundantes frutos na alma. Em primeiro lugar, leva-nos a descobrir Jesus, que sai ao nosso encontro e carrega sobre os seus ombros a parte mais pesada da contradição. A nossa dor, associada à do Mestre, deixa de ser o mal que entristece e arruína, e converte-se em meio de íntima união com Deus.
A Cruz de cada dia é uma grande oportunidade de purificação, de desprendimento, de aumento de glória.
“Como é admirável possuir a Cruz! Quem a possui, possui um tesouro!” (Santo André de Creta). Neste dia em que a Igreja celebra a festa da Exaltação da Santa Cruz, o Evangelho (Jo 3,16) lembra-nos o significado deste grande Mistério: “Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna”. O Filho de Deus tornou-se vulnerável, assumindo a condição de servo, obedecendo até à morte e morte de Cruz (Fil 2,8). É pela sua Cruz que somos salvos. O instrumento de suplício que, na Sexta-Feira Santa, tinha manifestado o juízo de Deus sobre o mundo, tornou-se fonte de vida, de perdão, de misericórdia, sinal de reconciliação e de paz. “Para ser curados do pecado, olhamos para Cristo crucificado!”, dizia Santo Agostinho). Levantando os olhos para o Crucificado, adoramos Aquele que veio para assumir sobre si o pecado do mundo e dar-nos a vida eterna. E a Igreja convida-nos a erguer, com ousadia, esta Cruz gloriosa, a fim de que o mundo possa ver até aonde chegou o amor do Crucificado pelos homens, por todos os homens. A Igreja convida-nos a dar graças a Deus, porque de uma árvore, que trouxera a morte, surgiu novamente a Vida. É sobre este madeiro que Jesus nos revela a sua soberana majestade, revela-nos que Ele é exaltado na glória. Sim, “Vinde, adoremo-Lo!”. No meio de nós, encontra-se Aquele que nos amou até ao ponto de dar a sua vida por nós, Aquele que convida todo o ser humano a aproximar-se d’Ele com confiança.
A única dor verdadeira é afastar-se de Cristo. Os outros sofrimentos são passageiros e convertem-se em alegria e em paz.
O trato e a amizade com o Mestre ensinam-nos a ver e a enfrentar as dificuldades que se apresentam com um espírito jovem e decidido, sem nenhum assomo de tristeza ou de queixa.
À semelhança dos santos, encararemos as contrariedades como um estímulo que é preciso transpor neste combate que é a vida. Essa disposição de ânimo alegre e otimista, mesmo nos momentos difíceis, não é fruto do temperamento ou da idade: nasce de uma profunda vida interior, da consciência sempre presente da nossa filiação divina. É uma atitude serena, que cria em todas as circunstâncias de um bom ambiente à nossa volta na família, no trabalho, com os amigos… – e constitui uma grande arma para aproximarmos os outros de Deus.
Reza o hino: Cruz fiel, tu és a mais nobre de todas as árvores; nenhuma outra pode comparar-se a ti em folhas, em flor, em fruto”.
O Sinal da Cruz é, de alguma forma, a síntese da nossa fé, porque nos diz quanto Deus nos amou; diz-nos que, no mundo, há um amor mais forte do que a morte, mais forte do que as nossas fraquezas e os nossos pecados. A força do amor é maior do que o mal que nos ameaça.
A Igreja recebeu a missão de mostrar a todos este rosto de um Deus que ama, manifestado em Jesus Cristo. Saberemos nós entender que, no Crucificado do Gólgota, a nossa dignidade de filhos de Deus, ofuscada pelo pecado, nos foi restituída? Voltemos o nosso olhar para Cristo. É Ele que nos fará livres para amar como Ele nos ama e construir um mundo reconciliado. Pois, nesta Cruz, Jesus tomou sobre si o peso de todos os sofrimentos e injustiças da nossa humanidade. Carregou as humilhações e as discriminações, as torturas padecidas, pelo amor de Cristo, em tantas regiões do mundo por nossos irmãos e irmãs, sem número. Confiamo-los a Maria, Mãe de Jesus e Mãe nossa, presente ao pé da Cruz.
No comum da vida, viver a Cruz é o cumprimento exato dos nossos deveres, dos nossos horários. É levantar-se na hora, é não deixar para depois a tarefa custosa. É ser exigente consigo mesmo e achar horário para tudo que é importante e necessário. É saber priorizar. É ter um plano de vida espiritual e levá-lo a sério. É tratar com caridade os outros, é esforçar-se para perdoar e abater o orgulho. É não importunar os outros com caprichos, é procurar aliviar o sofrimento dos demais. Às vezes, uma grande cruz será sorrir e fazer como se nada tivesse acontecido. Aliás, viver a Cruz de Cristo não é somente aceitar o sofrimento, é aceitar como Nosso Senhor, de boa vontade e não reclamando ou triste. A Cruz de cada dia é uma grande oportunidade de purificação, de desprendimento, de aumento de glória.
Ensina São Josemaría Escrivá: “É verdadeiramente suave e amável a Cruz de Jesus. Não contam aí as penas: só a alegria de nos sabermos corredentores com Ele” (Via Sacra).