Segundo Bento XVI, a Doutrina social da Igreja “é ‘caritas in veritate in re sociali’, ou seja, proclamação da verdade do amor de Cristo na sociedade; é serviço da caridade, mas na verdade. Esta preserva e exprime a força libertadora da caridade nas vicissitudes sempre novas da história. É ao mesmo tempo verdade da fé e da razão, na distinção e, conjuntamente, sinergia destes dois âmbitos cognitivos” (Caritas in veritate, n. 5). Caridade na verdade nas questões sociais: essa seria a essência da Doutrina Social da Igreja. O Papa, entretanto, adverte: “Sem verdade, a caridade cai no sentimentalismo. O amor torna-se um invólucro vazio, que se pode encher arbitrariamente. É o risco fatal do amor numa cultura sem verdade; acaba prisioneiro das emoções e opiniões contingentes dos indivíduos, uma palavra abusada e adulterada chegando a significar o oposto do que é realmente” (3).
O risco de esvaziar o amor, retirando dele a verdade, é grande na sociedade atual, inclusive na Igreja. Bento XVI o percebia e afirmava: “um cristianismo de caridade sem verdade pode ser facilmente confundido com uma reserva de bons sentimentos, úteis para a convivência social, mas marginais. Deste modo, deixaria de haver verdadeira e propriamente lugar para Deus no mundo. Sem a verdade, a caridade acaba confinada num âmbito restrito e carecido de relações; fica excluída dos projetos e processos de construção dum desenvolvimento humano de alcance universal, no diálogo entre o saber e a realização prática” (4). Uma caridade sem verdade anularia completamente a Doutrina Social da Igreja, ou a reduziria a política partidária. Entretanto, “a caridade reflete a dimensão simultaneamente pessoal e pública da fé no Deus bíblico, que é conjuntamente ‘Agápe’ e ‘Lógos’: Caridade e Verdade, Amor e Palavra” (3).
A unidade do amor com a verdade é o centro do ensino de Bento XVI e é o que possibilita a Doutrina Social da Igreja. A fonte dessa compreensão é a Sagrada Escritura, que revela a Deus como um mistério de amor e de verdade. Deus é a origem de todos os bens e governa todas as coisas com a força da sua palavra inteligente. Ele dirige pessoalmente a sua palavra ao homem. “Sem verdade, sem confiança e amor pelo que é verdadeiro, não há consciência e responsabilidade social, e a atividade social acaba à mercê de interesses privados e lógicas de poder, com efeitos desagregadores na sociedade, sobretudo numa sociedade em vias de globalização que atravessa momentos difíceis como os atuais” (5).
Essa visão sobre Deus reflete-se na visão cristã de homem e da mesma Doutrina Social. Os novos problemas sociais exigem “novas soluções”, que devem ser buscadas com justiça e caridade, com verdade e amor. “As grandes novidades, que o quadro atual do desenvolvimento dos povos apresenta, exigem em muitos casos novas soluções. Estas hão-de ser procuradas conjuntamente no respeito das leis próprias de cada realidade e à luz duma visão integral do homem, que espelhe os vários aspectos da pessoa humana, contemplada com o olhar purificado pela caridade. Descobrir-se-ão então singulares convergências e concretas possibilidades de solução, sem renunciar a qualquer componente fundamental da vida humana” (32).
De fato, “a caridade não exclui o saber, antes reclama-o, promove-o e anima-o a partir de dentro. O saber nunca é obra apenas da inteligência; pode, sem dúvida, ser reduzido a cálculo e a experiência, mas se quer ser sapiência capaz de orientar o homem à luz dos princípios primeiros e dos seus fins últimos, deve ser ‘temperado’ com o ‘sal’ da caridade. A ação é cega sem o saber, e este é estéril sem o amor” (30). Bento XVI recordava Paulo VI, que disse: “aquele que está animado de verdadeira caridade é engenhoso em descobrir as causas da miséria, encontrar os meios de a combater e vencê-la resolutamente” (Populorum progressio, n. 75).
Em seguida, Bento XVI afirma: “Relativamente aos fenômenos que analisamos, a caridade na verdade requer […] conhecer e compreender no respeito consciencioso da competência específica de cada nível do saber. A caridade não é uma junção posterior, como se fosse um apêndice ao trabalho já concluído das várias disciplinas, mas dialoga com elas desde o início. As exigências do amor não contradizem as da razão”. Isso na prática implica que “o saber humano é insuficiente e as conclusões das ciências não poderão sozinhas indicar o caminho para o desenvolvimento integral do homem. Sempre é preciso lançar-se mais além: exige-o a caridade na verdade. Todavia ir mais além nunca significa prescindir das conclusões da razão, nem contradizer os seus resultados. Não aparece a inteligência e depois o amor: há o amor rico de inteligência e a inteligência cheia de amor” (30).
A caridade é um amor autêntico pelo ser humano, pelas realidades humanas e pela verdade. Isso é essencial ao verdadeiro progresso. “Só através da caridade, iluminada pela luz da razão e da fé, é possível alcançar objetivos de desenvolvimento dotados de uma valência mais humana e humanizadora. A partilha dos bens e recursos, da qual deriva o autêntico desenvolvimento, não é assegurada pelo simples progresso técnico e por meras relações de conveniência, mas pelo potencial de amor que vence o mal com o bem (Rm 12, 21) e abre à reciprocidade das consciências e das liberdades” (9).