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A Dignidade da Pessoa e a Civilização Ocidental (parte I) – Pe. Anderson Alves

Um grande intelectual brasileiro do século passado foi o pe. Leonel Franca (1893-1948), primeiro reitor da PUC-Rio e um dos seus fundadores. Ele escreveu um livro chamado A crise do mundo moderno (1941), que traz um capítulo intitulado “Dignidade da Pessoa”. Nesse texto, ele constata a crise da civilização atual gerada pelo abandono da ideia de Deus e a divinização deformadora da ideia de homem. Ele alerta que “não pode subsistir a dignidade do homem onde se não adora a majestade de Deus” (p. 129). De fato, as ideologias modernas rebaixam o homem ao nível da matéria pura, para depois a divinizar numa “apoteose paradoxal” e contraditória.

O cristianismo combate as ideologias e a decadência da civilização ocidental com a afirmação da eminente dignidade da pessoa, criada à imagem e semelhança de Deus. Essa ideia é o centro de uma perspectiva capaz de renovar a visão do Universo e a nossa própria civilização. A filosofia personalista se opõe ao positivismo, afirmando a centralidade e a dignidade da pessoa humana, algo de grande valor. O pensamento cristão, por sua vez, compreende o sentido mais profundo e o valor incomensurável da pessoa.

A origem da palavra “pessoa” é conhecida. Persona significava originalmente a máscara usada no teatro grego pelos atores. As máscaras tornavam possível interpretar as “personagens” nas tragédias e comédias antigas. Depois disso, a palavra passou a designar o papel de cada um na vida social. No direito romano, persona significa o “representante em matéria judiciária”. Essas concepções trazem a ideia de nobreza e dignidade. No teatro antigo, muitas vezes o ator era um pobre escravo. Com a máscara, adquiria a personalidade de deuses e heróis, por algum tempo. Na Idade Média, persona é sinônimo de dignidade civil ou eclesiástica. A palavra personatus indicava o sujeito de categoria e de certa importância.

A partir de então a palavra persona passou a representar a excelência natural do homem. A ideia que está por detrás disse é que a nobreza do homem não lhe advém dos títulos convencionais da vida social, mas sim de atributos intrínsecos e específicos que lhe assinalam um lugar singular na escala dos seres. O uso moderno do termo indica o homem por ser homem.

A análise da evolução do termo permite-nos passar a uma apreciação mais profunda, chamada de “ontológica”, pois diz respeito à essência mesma do conceito. O teólogo cristão medieval Severino Boécio elaborou uma das melhores definições de pessoa que temos, e constitui um patrimônio da civilização ocidental. Disse que “pessoa é a substância individual de natureza racional” (Persona proprie dicitur naturae rationalis individua substantia).

Isso significa que pessoa indica, em primeiro lugar, um indivíduo, um todo completo, algo indiviso (in-diviso) em si e distinto do demais. Não é uma parte do todo, mas algo que existe em si e por si. A pessoa possui a natureza humana de forma singular e concreta. Por ser indivíduo, a pessoa é incomunicável. Além disso, a pessoa é um ser racional. Ela só se realiza na relação com o outro, de forma que lhe é essencial o uso da razão e da palavra (ambas são a tradução da palavra grega logos). Os minerais e as plantas são indivíduos fechados em si; os animais possuem sensibilidade e certa inteligência, mas não se separam do “aqui e agora”. Eles estão fechados numa fração do espaço e tempo. Os seus instintos e impulsos o prendem aos destinos da espécie.

Continua.

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